Flavonóide é o nome dado a um grande grupo de metabólitos secundários da classe dos polifenóis, componentes de baixo peso molecular encontrados em diversas espécies vegetais. Um dos benefícios do consumo de frutas e outros vegetais é geralmente atribuído aos flavonóides, uma vez que a esta classe de substâncias são atribuídos diversos efeitos biológicos que incluem, entre outros, ação antiinflamatória, hormonal, anti-hemorrágica, anti-alérgica e anti-câncer. São ainda responsáveis pelo aumento da resistência capilar e também denominados de fator P ou substância P, auxiliando na absorção da vitamina C. Entretanto, o efeito mais importante é a propriedade antioxidante.
Introdução
Os flavonóides foram descobertos em 1530 pelo prêmio Nobel Szent-György, que extraiu a citrina da casca do limão, possuindo, essa substância a capacidade de regulação da permeabilidade dos capilares. Assim, essa classe de produtos naturais foi denominada como vitamina P (de permeabilidade) e também por vitamina C2, visto que algumas das substâncias pertencentes a esta classe apresentavam propriedades semelhantes às da vitamina C. Porém, dada a não confirmação destas substâncias como vitaminas, essa classificação foi abandonada em 1950.
Esses componentes podem ser definidos como uma classe de metabólitos secundários de plantas, que derivam da condensação de uma molécula de ácido cinâmico com três grupos malonil-CoA2 e que participam na fase dependente de luz da fotossíntese, durante a qual catalisam o transporte de electrões.
Os flavonóides são pigmentos naturais presentes nos vegetais que desempenham um papel fundamental na proteção contra agentes oxidantes, como por exemplo, os raios ultravioleta, a poluição ambiental, substâncias químicas presentes nos alimentos, entre outros, e atuam também como agentes terapêuticos em um elevado número de patologias, tais como arteriosclerose e câncer. Dado que não podem ser sintetizados pelo organismo, sendo representativos da parte não energética da dieta humana, são obtidos através da ingestão de alimentos que os contenham ou através de suplementos nutricionais. Exemplos de fontes de flavonóides são frutas, verduras, cerveja, vinho, chá verde, chá preto e soja. A maioria dos flavonóides presentes no vinho provém da uva, especialmente da pele, e do processo fermentativo.
Os flavonóides são componentes de baixo peso molecular, com estrutura base C6-C3-C6 (dois anéis fenil : A e B " ligados através de um anel pirano " C).
FIGURA 1 - ESTRUTRA BASE DOS FLAVONÓIDES
Dependendo da substituição e do nível de oxidação no anel C3, os flavonóides podem ser divididos em 14 classes, sendo os que se incluem na dieta humana divididos essencialmente em seis grupos:
Dentro da mesma classe os flavonóides diferem na substituição dos anéis A e B. Estes se encontram na natureza sob a forma de glicosídeos, o que promove uma melhor absorção intestinal e uma maior biodisponibilidade destes componentes. No entanto, o glicosídeo apresenta menor reatividade na neutralização de radicais livres que o flavonóide correspondente, bem como uma maior hidrossolubilidade.
Os glicosídeos formam-se através da união de resíduos de D-glucose à posição 3 ou à posição 7 destes flavonóides, sendo a primeira substituição a mais freqüente. Outros resíduos de açúcares que também se podem encontrar ligados a este tipo de componentes são a D-galactose, a L-ramnose, a L-arabinose, a D-xilose e o ácido D-glucorônico.
Estima-se que o valor médio diário de ingestão de flavonóides seja de 23mg/dia, sendo os flavonóis os predominantes. A sua excreção ocorre primordialmente pela urina, dada a sua solubilidade em água1.
O problema da oxidação
Todos os organismos aeróbios necessitam de oxigênio molecular como aceitador eletrônico para uma produção eficiente de energia. Contudo, o oxigênio é um forte oxidante, tornando-se impossível impedir oxidações secundárias promovidas por esta molécula, não envolvidas no metabolismo fisiológico, que podem ter conseqüências graves se os seus produtos não forem neutralizados por um sistema antioxidante eficiente.
A redução completa do oxigênio molecular envolve quatro elétrons, resultando em água como produto final da cadeia respiratória4. Porém, podem ocorrer situações em que o oxigênio é parcialmente reduzido, resultando como produtos destas reações secundárias, vários intermediários com alto poder oxidante, que podem conduzir a oxidações secundárias. Aproximadamente entre 2 a 5% do oxigênio utilizado nas mitocôndrias formam estes produtos secundários. Outras possíveis fontes de espécies oxidantes são poluentes do ar, tabaco e fumo, radiação UV e uma dieta rica em ácidos graxos poliinsaturados.
As células dos organismos vivos possuem dois sistemas de defesa contra os danos produzidos pelos radicais livres, sendo o primeiro um sistema de defesa enzimático, constituído pelas enzimas superóxido dismutase (SOD), glutationa peroxidase, glutationa reductase e catalase, e o segundo um sistema de defesa não enzimático, constituído por antioxidantes dietéticos, como a vitamina E e a glutationa.
Embora o organismo tenha capacidade de prevenir reações indesejáveis e de reparar moléculas e tecidos danificados, estes mecanismos de defesa não são suficientemente abrangentes para prevenir e reparar os danos causados por todas as reações indesejáveis, ocorrendo a acumulação dos produtos destas reações, que se tornará prejudicial ao fim de um certo período de tempo. Esta situação de desequilíbrio entre a formação de espécies com poder oxidante e a sua destruição denomina-se por stress oxidativo e pode conduzir a um metabolismo anormal, à perda de funções fisiológicas, a doenças e, inclusivamente, à morte.
Existem duas classes de componentes responsáveis pela situação de stress oxidativo, sendo elas os radicais livres, espécies que possuem pelo menos um elétron desemparelhado, sendo bastante instáveis e promovendo transferências eletrônicas rápidas, e as espécies reativas de oxigênio (ROS), intermediários instáveis que derivam do oxigênio molecular.
Os alvos biológicos principais dos radicais livres e das ROS são as proteínas, cuja oxidação conduz à perda de função ou à degradação prematura nos proteossomas, os lipídios, cuja oxidação altera as propriedades físicas das membranas celulares e, conseqüentemente, a sua função, e o DNA, cuja oxidação pode conduzir a mutações gênicas, a síntese protéica anormal, a alteração na expressão gênica, a apoptose e à morte celular.
Os fitoquímicos como antioxidantes: generalidades
As reações oxidativas dos radicais livres, moléculas com elétrons desemparelhados, contribuem para muitos problemas de saúde. Os antioxidantes são agentes que restringem os efeitos deletérios das reações oxidativas. Esses efeitos podem ser diretos (i.e., eliminando determinados radicais livres) ou indiretos (i.e., impedindo a formação de radicais). O corpo produz alguns antioxidantes endógenos (i.e. determinadas enzimas) e os antioxidantes também podem ser consumidos na dieta. Alguns antioxidantes consumidos na dieta, tais como a vitamina E, são nutrientes essenciais (o organismo não pode funcionar normalmente sem elas). A dieta também contém outros componentes potencialmente capazes de ações antioxidantes. Estes pertencem à classe dos componentes dos alimentos conhecidos como fitoquímicos. Esses componentes, como os flavonóides, não são absolutamente necessários como partes da dieta, mas podem conferir benefícios à saúde, tais como uma ação antioxidante. Pode-se dizer que uma pessoa pode muito bem viver sem fitoquímicos, mas viverá melhor com eles.
Se os fitoquímicos exercem ações antioxidantes nas pessoas, as capacidades antioxidantes do corpo devem diminuir com uma dieta fitoquímica baixa. Essa afirmação já foi testada em laboratório. Pacientes submetidos à diálise renal consumiram uma das três fórmulas líquidas semi-purificadas, como única fonte de nutrição por três semanas. Cada uma das fórmulas continha os nutrientes essenciais em quantidades consideradas adequadas, mas não continham maiores fontes de fitoquímicos. Quase todos os pacientes (n = 20 para cada uma das três fórmulas) apresentaram diminuição dos valores da capacidade antioxidante total no plasma (TAS). A queda nos valores de TAS não pode ser atribuída às três maiores fontes de influências no TAS, ou seja, a vitamina E, vitamina C ou ácido úrico. O β-caroteno também não pode ser considerado como um fator. Assim, esse estudo forneceu alguma evidência do que fitoquímicos podem influenciar as capacidades antioxidantes.
Os flavonóides são uma das principais classes de fitoquímicos. Muitos compostos flavonóides podem ser capazes de exercer efeitos antioxidantes nos seres humanos. Estes compostos, que são uma família de polifenóis, são encontrados em uma variedade de alimentos de origem vegetal. Há também a possibilidade de utilizar tais compostos como agentes farmacológicos, uma idéia que já foi testado em grau limitado, tanto para os flavonóides que ocorrem naturalmente como para compostos sintéticos.
Mecanismos antioxidantes dos flavonóides
Muitas vezes, a ação antioxidante dos flavonóides é concebida apenas como uma ação bioquímica isolada, suas reações diretas com os radicais, Essas reações diretas produzem uma eliminação direta dos chamados radicais livres. No entanto, o potencial de ação antioxidante dos flavonóides deve ser considerado como sendo bem mais complexo, por duas razões. Em primeiro lugar, conforme listado na Tabela 1, existem, no mínimo, seis possíveis diferentes mecanismos antioxidantes dos flavonóides. Em segundo lugar, os efeitos seqüestrantes dos radicais livres não são necessariamente uma ação bioquímica única.
Embora a Tabela 1 liste o efeito seqüestrante direto do radical como um mecanismo único, esta ação pode envolver mais de um tipo de reação dentro do processo oxidante. Existem três diferentes estágios de oxidação mediada por radicais dos lipídios membranares:
1. Iniciação (os radicais livres removem um hidrogênio de um ácido graxo poliinsaturado para formar um radical lipídico);
2. Propagação (o radical lipídico e o oxigênio molecular formam radicais peróxido lipídicos, que se quebram em mais radicais);
3. Término (os novos radicais reagem entre si ou com antioxidantes para eliminar radicais).
Os flavonóides podem atuar em qualquer uma destas fases. Os flavonóides podem bloquear a iniciação seqüestrando radicais primários, como o superóxido. Os flavonóides também podem reagir com os radicais peróxidos para retardar a propagação. Além disso, os radicais intermediários flavonoídicos, formados após a reação com radicais peróxidos, podem reagir com os outros radicais formados durante a propagação. Isso acelera o processo de término.
TABELA 1 - POSSÍVEIS MECANISMOS ANTIOXIDANTES DOS FLAVONÓIDES
A. Seqüestrador direto de radicais.
B. Regulação descendente da produção de radicais.
C. Eliminação dos precursores dos radicais (i.e., peróxido de hidrogênio).
D. Quelação de metais.
E. Inibição da xantina oxidase.
F. Elevação dos antioxidantes endógenos.
Cinco dos mecanismos antioxidantes possíveis apresentados na Tabela 1 podem envolver, pelo menos em parte, à prevenção da formação de radicais livres (Tabela 1, mecanismos B a F). De alguma forma, esses mecanismos podem ser qualificados como ações antioxidantes indiretas. Esses mecanismos incluem a regulação para baixo da produção de radical superóxido e peróxido de hidrogênio, precursores dos radicais livres. Esse efeito, pelo menos em algumas situações, pode ser obtido através da regulação descendente da proteína quinase C, na qual se acredita que provoca a secreção de superóxido e peróxido de hidrogênio. Esta mediação da proteína quinase C pode ser particularmente verdadeira para um componente da soja, a genisteína, que pertence à classe dos flavonóides conhecida como isoflavonas. A genisteína é um clássico inibidor da proteína quinase C in vitro. Ainda assim, é pouco provável que essa seja a única maneira que os flavonóides possam inibir a produção de superóxido e peróxido de hidrogênio. Outra consideração em relação ao peróxido de hidrogênio é que os flavonóides podem também reagir diretamente com este componente de uma forma que elimine a possibilidade de formação de radicais (Tabela 1, Mecanismo C).
Outra forma dos flavonóides prevenirem a formação de radicais é pela quelação de metais de transição (Tabela 1, Mecanismo D). Alguns metais de transição, como o ferro, podem cataliticamente formar radicais livres reativos. Muitas estruturas flavonóides possuem as propriedades químicas de quelar os metais em um estado no qual a produção de radicais é inibida. Além desta ação, metais e flavonóides também podem, em algumas circunstâncias, formar complexos que eliminam os radicais.
Os flavonóides também podem atuar como antioxidantes, inibindo enzimas pró-oxidantes (Tabela 1, mecanismo E). O exemplo mais proeminente é a inibição da xantina oxidase, o que pode, em determinados estados, produzir radical superóxido. O significado patológico da produção de superóxido pela xantina oxidase ainda é debatido, mas pode ser importante em certos problemas de saúde, tais como reperfusão cardíaca.
Ainda há uma outra possível ação antioxidante indireta dos flavonóides. Alguns destes componentes podem elevar as concentrações corporais de antioxidantes endógenos, os quais eliminam radiais livres ou seus precursores. Um exemplo é o superóxido dismutase 1 (SOD1), que elimina o radical superóxido no interior das células.
Flavonóides - relação estrutura/atividade antioxidante
Existem três requisitos na estrutura química dos flavonóides possivelmente responsáveis pela atividade de neutralização de radicais exercida por esta classe de componentes, sendo eles:
Deste modo, a miricetina é o flavonóide que apresenta um caráter antioxidante mais efetivo, seguida da quercitina. Verificou-se que este último possui uma capacidade de atuar como agente antioxidante 5 vezes superior à das vitaminas E e C. O ácido ascórbico reduz este flavonóide, sendo que a combinação dos dois agentes permite manter as suas propriedades antioxidantes por mais tempo. No entanto, a quercitina apresenta também benefícios quando conjugada com a vitamina E, visto que inibe a sua foto-oxidação na membrana celular das células sangüíneas.
FIGURA 2 - ESTRUTURA DA MIRICETINA (VEJA NO PDF ABAIXO)
FIGURA 3 - ESTRUTURA DA QUERCETINA (VEJA NO PDF ABAIXO)
A atividade antioxidante de um flavonóide é, então, determinada pelo anel B, enquanto que a restante estrutura base tem apenas uma pequena influência. Isto se verifica devido a uma maior capacidade eletrodoadora deste anel, havendo uma maior influência da restante estrutura base com o decréscimo de atividade antioxidante do anel B.
O arranjo espacial dos substituintes presentes na molécula torna-se um fator que contribui também com bastante peso para a atividade antioxidante destes componentes.
Em termos gerais, o fator que determina o caráter antioxidante de um dado flavonóide será a estabilidade redox do radical formado a partir do flavonóide original.
Atuação dos flavonóides como antioxidantes
Qual a evidência de que o efeito antioxidante dos flavonóides ocorre realmente em grande extensão nos humanos? Uma boa parte das evidências se baseia na ação dos flavonóides in vitro. Obviamente, os estudos realizados em tubos de ensaio ou em placas de cultura não podem prever perfeitamente o que irá ocorrer in vivo. No entanto, as observações feitas in vitro podem oferecer uma percepção de quais ações são possíveis in vivo. Com essa perspectiva, cada um dos potenciais mecanismos antioxidantes dos flavonóides mencionados na Tabela1 foi anotado in vitro. Além disso, trabalhos experimentais em animais têm sido utilizados para justificar a alegação de que os flavonóides podem atuar como antioxidantes (veja Tabela 2).
TABELA 2 - EVIDÊNCIAS DA AÇÃO ANTIOXIDANTE DOS FLAVONÓIDES EM ANIMAIS EXPERIMENTAIS
A. Diminuição do acúmulo de produtos de reações oxidantes (i.e., peróxidos lipídicos).
B. Inibição do aumento da concentração de produto oxidante causado por estresse externo (i.e., administração de agente cancerígeno ou inflamação quimicamente induzida).
C. Melhoria da resistência à patologia em modelos animais para doenças humanas que envolvem o estresse oxidativo (i.e., efeitos sobre os números do tumor ou edema inflamatório).
D. Elevação das concentrações de antioxidantes endógenos, ou a prevenção de seu esgotamento por estresse externo induzido.
E. Elevadas medidas das capacidades antioxidantes plasmáticas ou séricas determinadas ex vivo.
F. Redução de radicais detectáveis durante um estresse oxidante (muito poucos dados atuais).
G. Inibição do estresse oxidante por quimiluminescência induzido por determinada in situ.
Os flavonóides foram ingeridos por dieta ou via injeção, tanto como componentes isolados ou como parte de uma intervenção mais geral da dieta (i.e. consumo de chá verde).
Uma das dificuldades em muitos destes estudos experimentais em animais foi distinguir se um efeito antioxidante era um efeito primário ou secundário dos flavonóides. Por exemplo, para a categoria C, se uma substância cancerígena é dada a um rato, os flavonóides podem inibir o desenvolvimento do tumor através de um efeito antioxidante ou de alguma outra ação. Um exemplo deste último é a inibição da ativação cancerígena mediada pelo citocromo P-450. Isso reduz a possibilidade de que o agente cancerígeno produza tumores, mas não é resultado do efeito antioxidante dos flavonóides. Mesmo que os produtos da oxidação sejam medidos, como os peróxidos lipídicos, isso ainda não permite distinguir sempre um efeito antioxidante de uma simples prevenção da ativação cancerígena. Se o agente cancerígeno não é bem ativado, terá pouco estresse oxidativo proveniente desse carcinôgeno.
Estudos em humanos sobre a ação dos flavonóides como antioxidantes ainda são limitados. A Tabela 3 classifica as observações atuais. A maioria dos estudos realizados analisa os alimentos ricos em flavonóides, ao invés dos flavonóides isolados.
TABELA 3 - OBSERVAÇÕES DE ESTUDOS COM SERES HUMANOS SOBRE FLAVONÓIDES COMO ANTIOXIDANTES
A. Em estudos epidemiológicos, a correlação inversa entre o consumo de flavonóides e a incidência de doenças envolve o estresse oxidativo.
B. Diminuição das concentrações de produtos oxidantes, como os peróxidos lipídicos.
C. Elevação das concentrações de antioxidantes endógenos, ou a prevenção de seu esgotamento, durante o estresse oxidativo.
D. Medidas elevadas das capacidades antioxidantes plasmáticas ou séricas, determinadas ex vivo.
E. Inibição da inflamação e quebra de tecidos musculares induzida por exercícios.
F. Diminuição das taxas de oxidação da lipoproteína avaliada ex vivo.
Nota: As referências são exemplos, e não uma lista exaustiva. A maioria desses estudos envolveram o consumo de alimentos ricos em flavonóides e não de flavonóides isolados.
Os estudos epidemiológicos (observação A da Tabela 3), embora muito importante de um ponto de vista prático, apresentam o mesmo problema inerente a estudos de sintomas parecidos como doenças em modelos animais. Ambos os tipos de estudos não distinguem sempre os efeitos antioxidantes dos flavonóides com outros efeitos dos mesmos. Ademais, os estudos epidemiológicos humanos não distinguem necessariamente a relação de causa e efeito dos flavonóides com efeitos coincidentes. Por exemplo, o efeito protetor aparente de um alimento rico em flavonóides poderia, na realidade, ser atribuível ao teor em vitamina C desse alimento.
Outra possibilidade é que o consumo de alimentos ricos em flavonóides ocorra em maior grau nas pessoas que enfatizam um estilo de vida saudável. Assim, o estilo de vida em geral, mais do que o consumo de flavonóides por si só, pode explicar os resultados.
Para estudos em seres humanos, as observações dos efeitos dos flavonóides nos produtos de oxidação (peróxidos lipídicos) ou concentrações endógenas de antioxidantes (observações B e C da Tabela 3) são ainda muito limitadas em termos de números de estudo e âmbito de aplicação. A contribuição dos flavonóides nestes casos ainda é incerta. Os resultados podem ser devido a outros fatores, como a vitamina C, ou os efeitos indiretos de um deslocamento do consumo em favor de sucos, diminuindo a ingestão de outras bebidas nas dietas. Certamente, é necessário mais estudos nessa área.
Tal como acontece com os estudos experimentais em animais, o consumo de flavonóides por seres humanos tem sido associado com o aumento dos índices das capacidades antioxidantes plasmáticas ou séricas, determinadas ex vivo (observação D da Tabela 3). Isso indica que nos seres humanos que consomem dietas diferentes, a ingestão de flavonóides pode influenciar as capacidades seqüestrantes de radicais, do plasma ou soro. No entanto, assim como nos estudos experimentais em animais, o potencial impacto na saúde desses efeitos ainda não pode ser avaliado de forma quantitativa.
Uma abordagem para avaliar possíveis ações antioxidantes, incluindo dos flavonóides, não é feita tão facilmente em humanos quanto é para animais experimentais. Essa abordagem consiste em examinar os efeitos da ingestão de antioxidantes sobre um estresse oxidativo agudo em indivíduos saudáveis. Em experimentos com animais, isso pode ser feito de várias maneiras, incluindo a injeção de hepatotoxinas, tais como tetracloreto de carbono, administração de endotoxina, indução de um estado inflamatório ou exposição à hiperóxia. Obviamente, as considerações éticas limitam a aplicação de tais estudos em seres humanos. Uma alternativa pode ser uma sessão acentuada de exercícios. Embora o exercício seja geralmente considerado como promotor da saúde, ele precipita o estresse oxidativo. Acredita-se que esse estresse contribua para a degradação do tecido muscular e para a inflamação que ocorre durante o exercício. Portanto, uma sessão puxada de exercícios pode ser uma maneira de estudar o estresse oxidativo agudo em pessoas saudáveis. Esses estudos fornecem não somente conhecimentos básicos se um componente do alimento exerce ou não efeitos antioxidantes, mas também possuem valor prático para a promoção da saúde. Acredita-se que o estresse oxidativo proveniente do exercício contribua para a fadiga, dores musculares, e para o risco de lesão. Além disso, o exercício muito intenso pode aumentar o risco de câncer, no caso de atletas ultra resistentes, ou em pessoas que treinam pesado, mas esporadicamente (os "atletas de fim de semana").
BOX: Efeito do exercício de ultra resistência sobre parâmetros de estresse oxidativo
Exercícios extenuantes ou de longa duração estão relacionados ao dano tecidual e podem causar estresse oxidativo, uma vez que o exercício aumenta o consumo de oxigênio e causa um distúrbio na homeostase pró e antioxidante intracelular. O treinamento físico pode prevenir parcialmente a formação de radicais livres (RL) no exercício exaustivo e aumentar as defesas antioxidantes (AO).
Ainda não foi descoberto nenhum índice absoluto e definitivo de estresse oxidativo (EO); no entanto, os RL, ao reagir com compostos biológicos, produzem derivados oxidados, cujos níveis podem ser usados como índices de EO. Podem-se medir a peroxidação lipídica, o dano a proteínas e DNA, e mudanças no estado dos compostos AO e atividade de enzimas AO. Tem crescido o interesse por esportes de longa duração como maratonas, corridas de aventura e triatlo de longa distância como Ironman e meio Ironman. Artigos relacionando exercício de longa duração ao EO apontam para o desequilíbrio entre os sistemas pró-oxidante e antioxidante, podendo acarretar dano a lipídeos e proteínas de membrana, assim como ao DNA. Entretanto, estudos avaliando triatletas após o Ironman do Havaí observaram proteção aos lipídeos de membrana. Além disso, estudos mais recentes investigam se a suplementação AO seria capaz de proteger do dano oxidativo em Ironman, mas os estudos ainda não são concordantes. Como pudemos observar, os resultados do efeito do exercício de longa duração sobre o EO em humanos são conflitantes. Não foi possível encontrar artigos que apresentassem a medida desses parâmetros em atletas brasileiros. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi mensurar os parâmetros bioquímicos sanguíneos de estresse oxidativo em triatletas brasileiros após uma competição de meio Ironman.
Os flavonóides e a oxidação lipoprotéica
A oxidação lipoprotéica tornou-se um modo popular de estudar os possíveis efeitos antioxidantes. Uma razão para isso é que mudanças, de prazo relativamente curto, na dieta podem produzir alterações sensíveis nos valores da oxidação lipoproteica. Outra razão é que a oxidação lipoproteica é considerada altamente relevante para um grave problema de saúde humana, a aterosclerose. Em estudos humanos, a oxidação é estudada ex vivo (a oxidação é iniciada após a remoção das lipoproteínas dos indivíduos). No entanto, variações nos doadores de lipoproteína, tais como variações nos teores de hidroperóxidos lipídicos pré-formados, influência os dados da oxidação. Geralmente, esses estudos examinam a oxidação da lipoproteína de baixa densidade (LDL), mas alguns estudos examinam a combinação de LDL com lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL).
A oxidação lipoproteica parece ser particularmente útil para o estudo dos flavonóides. Por um lado, acredita-se que tanto a oxidação lipoproteica como a ingestão de flavonóides são relevantes para a doença cardiovascular. Outro problema é que muitos flavonóides são potentes inibidores da oxidação lipoproteica, quando adicionados à lipoproteína in vitro. Os estudos realizados in vitro iniciam a oxidação em uma variedade de formas (íons metálicos, reações orgânicas e outras).
Os resultados dos estudos sobre o consumo de flavonóides e oxidação lipoproteica têm variado muito. Alguns estudos encontraram um efeito, e outros não. Algumas dessas variações nos resultados provavelmente sejam atribuíveis às diferenças no modelo do estudo. Essas diferenças são apresentadas na Tabela 4.
TABELA 4 - VARIÁVEIS NO MODELO DE ESTUDOS DOS EFEITOS DA INGESTÃO DE FLAVONÓIDES NA OXIDAÇÃO LIPOPROTÉICA
A. Tipos de flavonóides.
B. Alimentos inteiros vs. concentrados de flavonóides.
C. Método de isolamento das lipoproteínas.
D. Duração do período de ingestão de flavonóides.
E. Tipo de indivíduos.
F. Grupo-controle com placebo vs. sem grupo-controle com placebo
G. Antecedentes da dieta dos indivíduos do teste.
A primeira variável na lista, os diferentes tipos de flavonóides, pode ser muito importante, mas não parece ser a resposta completa. Por e4xemplo, um estudo sobre os flavonóides do chá encontrou efeitos sobre a oxidação do LDL, enquanto que outros estudos não encontraram tais efeitos.
A variável B da Tabela 4, alimentos inteiros vs. concentrados de flavonóides, gerou duas hipóteses. A primeira é que a combinação de ingredientes alimentícios inteiros pode ser mais eficaz do que apenas um único flavonóide, ou mesmo apenas a fração de flavonóide de um alimento (i.e. a vitamina C mais flavonóides pode ser mais efetivo que qualquer um dos dois sozinho). A segunda: a absorção e o metabolismo dos flavonóides pode depender de outros componentes dos alimentos. Por exemplo, o álcool no vinho tinto pode produzir flavonóides biologicamente mais ativos do que seriam sem o álcool.
A variável considerando os antecedentes da dieta dos indivíduos, pode ser importante tanto para reforçar ou para restringir o efeito da intervenção dos flavonóides. Por exemplo, um antecedente de muito baixo consumo de flavonóides pode gerar um efeito mais pronunciado. No entanto, um antecedente de baixa ingestão não garante um efeito dos flavonóides na oxidação lipoprotéica.
Uma questão levantada sobre o tema flavonóides e oxidação da lipoproteína é: qual a concentração plasmática mínima de flavonóides necessária para afetar a oxidação lipoprotéica? Obviamente, a resposta pode variar de acordo com o tipo de flavonóides. No entanto, essa questão ainda não é fácil de responder. Um dos problemas é que grande parte da metodologia de medição dos flavonóides e seus metabólitos no plasma é apenas emergente. Mesmo assim, já se comprovou em diversos estudos, que as concentrações de flavonóides freqüentemente usados para estudar a oxidação lipoprotéica in vitro são demasiado elevadas para aplicação em situações humanas. Isso pode ser verdade em alguns casos, mas não em todos.
Outra questão é quanto aos flavonóides presentes no plasma, após a ingestão oral, permanecerem com as lipoproteínas sob isolamento antes de iniciar a oxidação in vitro. Obviamente, quando os flavonóides são adicionados diretamente às lipoproteínas isoladas para o estudo da oxidação em vitro, todos os flavonóides adicionados estão presentes durante as avaliações de oxidação. Por outro lado, isso não é necessariamente verdadeiro para os flavonóides ingeridos por via oral. Assim, os diferentes flavonóides podem participar de forma diferente na oxidação lipoprotéica. Isso pode ser muito importante para determinar como a ingestão de diferentes tipos de flavonóides afeta os resultados da oxidação lipoprotéica.
No entanto, mais uma vez, esse pode não ser sempre o caso. Os flavonóides absorvidos nem sempre permanecem com a lipoproteína após isolamento, podendo afetar os dados obtidos da oxidação, ex vivo. Uma consideração importante é que o hidroperóxido lipídico preexistente (LOOH) na lipoproteína afeta a medida da oxidação, ex vivo. Essa variável depende de processos que ocorrem in vivo. Esses processos podem ser influenciados por um antioxidante que não é isolado com lipoproteína, após extração do sangue. Por exemplo, os flavonóides podem seqüestrar os radicais livres in vivo antes que eles atinjam as lipoproteínas para produzir hidroperóxido lipídico. Os flavonóides podem também promover a regulação decrescente da secreção fagocitária de radicais que produzem hidroperóxido lipídico em lipoproteínas. Alguns dados apóiam diretamente a idéia de que os flavonóides nem sempre precisam permanecer com as lipoproteínas isoladas, para afetar os dados de oxidação obtidos ex vivo. Um bom exemplo é que a ingestão de isoflavonas de soja inibe a oxidação do LDL ex vivo, apesar do baixo conteúdo de isoflavonas no LDL isolado.
As propriedades antioxidantes dos flavonóides aplicadas à saúde
Encontra-se sempre associada uma situação de estresse oxidativo a todos os tipos de doenças, embora não se saiba se este surge como causa ou como conseqüência. Vários estudos epidemiológicos relacionaram a capacidade antioxidante dos flavonóides como agente protetor em patologias, como câncer, doenças cardiovasculares, arteriosclerose, doenças neurodegenerativas e envelhecimento.
Câncer. O câncer é definido como um grupo de doenças caracterizada pelo crescimento e proliferação incontrolados de células. Pode ser induzido pelo estilo de vida, pelo ambiente, ou por fatores genéticos.
De acordo com estudos epidemiológicos, verificou-se uma relação inversa entre uma dieta constituída por antioxidantes e a incidência de câncer, sendo os flavonóides uma das espécies responsáveis por esta relação.
Os flavonóides catequina e hesperidina apresentaram efeitos quimioprotetores contra o câncer de cólon induzido por aminas heterocíclicas em ratos.
Verificou-se também a existência de uma relação entre o ácido gálico e a indução da apoptose (morte celular programada necessária na eliminação de células danificadas ou cancerosas durante o tratamento do câncer).
Doenças cardiovasculares. A incidência de trombose está normalmente associada a níveis altos de colesterol no sangue. Estudos epidemiológicos demonstraram uma redução do risco de trombose com o aumento da ingestão de alimentos constituídos por flavonóides com capacidade antioxidante.
Arteriosclerose. O processo inicial desta doença pode ser provocado por excesso de gordura, metabolismo de lipídios deficientes, infecção, presença de toxinas ou metabólitos tóxicos, ou por estresse oxidativo. Desse modo, a ingestão de flavonóides pode desempenhar um papel protetor no início do desenvolvimento desta patologia.
Doenças neurodegenerativas. O cérebro, embora represente apenas 2% da massa corporal, processa aproximadamente 20% do oxigênio consumido, de modo a suportar a atividade elétrica neuronal. Assim, são produzidas grandes quantidades de superóxido e óxido nítrico, desempenhando, este último, um papel fundamental como mensageiro biológico, no cérebro, o que pode conduzir a produção de ROS. Mais uma vez, a capacidade antioxidante dos flavonóides será importante no início deste tipo de patologia.
A doença de Alzheimer causa a perda gradual de células do cérebro, conduzindo a uma situação de demência. O cérebro de doentes que apresentam esse tipo de patologia possui marcas associadas a uma situação de estresse oxidativo, que poderá ser atenuada pelo consumo de alimentos constituídos por flavonóides com capacidade antioxidante.
A doença de Parkinson encontra-se relacionada com a degeneração dos neurônios dopaminérgicos na substância negra. A auto-oxidação da dopamina, bem como o seu catabolismo, pela monoamina oxidase, produzem superóxido e peróxido de hidrogênio, responsáveis pelos níveis elevados de estresse oxidativo que se verificam na substância negra. Também nesta patologia as propriedades antioxidantes dos flavonóides poderão ter papel crucial.
Envelhecimento. A atividade metabólica natural produz lixo metabólico que o organismo nem sempre consegue eliminar devidamente. Esse lixo metabólico é constituído por moléculas oxidadas que podem conduzir à oxidação de outras. De fato, verifica-se um aumento de marcas de estresse oxidativo em tecidos de indivíduos idosos, cuja acumulação no organismo se torna citotóxica.
Mais uma vez, os flavonóides com capacidade antioxidante podem representar uma fonte viável de eliminação desse lixo metabólico.
Conclusão
Muitos estudos evidenciam as ações antioxidantes dos flavonóides sobre a saúde humana. No entanto, essa afirmação ainda deve ser considerada um pouco especulativa, necessitando de mais estudos, nomeadamente com os próprios humanos.
Existe uma série de diferentes mecanismos pelos quais os flavonóides podem exercer, direta ou indiretamente, ação antioxidante. Contudo, quais os mecanismos que operam em determinadas circunstâncias ainda requer maiores esclarecimentos.
Devido ao efeito antioxidante dos flavonóides ter ganhado mais atenção, pode haver também a necessidade de considerar os seus possíveis efeitos pró-oxidantes.