A indústria alimentícia está focando cada vez mais em soluções inovadoras que melhorem seus produtos com benefícios adicionais para a saúde. Dentro deste contexto, as ciclodextrinas oferecem possibilidades de grande valor: estas moléculas são capazes de fornecer à indústria de alimentos e bebidas ingredientes promotores da saúde, por exemplo, proteger ingredientes sensíveis ou melhorar seu gosto ou odor. Elas também atuam como fibras alimentares solúveis e podem, assim, ter efeito positivo sobre os níveis de colesterol no sangue. Além disso, são capazes de estabilizar emulsões óleo em água e proporcionar excelente paladar. As ciclodextrinas são obtidas a partir de matérias-primas renováveis, de fonte exclusivamente vegetal, não são alergênicas e são livres de colesterol. Com todas estas propriedades, estas moléculas de glicose de estrutura anular são altamente interessantes para aplicações funcionais na indústria de alimentos e bebidas.
Introdução
Nos últimos anos, os alimentos funcionais apresentaram forte crescimento de popularidade: cientistas e pesquisadores da indústria de alimentos estão sempre descobrindo novos ingredientes promotores da saúde que tornam o corpo resistente ao estresse ambiental, evitam certas doenças relacionadas ao estilo de vida ou até mesmo desaceleram o processo de envelhecimento. Em consequência disto, o mercado de alimentos funcionais está crescendo atualmente em todo o mundo - e espera-se que a expansão continue.
Perante este cenário, as ciclodextrinas podem oferecer efeitos importantes para a indústria alimentícia como mascarar gostos desagradáveis de ingredientes funcionais, estabilizar ingredientes sensíveis ou elevar a biodisponibilidade de ingredientes que, de outra forma, seriam pouco absorvidos. Recentes descobertas mostraram também que a alfaciclodextrina, uma fibra alimentar solúvel, é uma alternativa interessante para substituir emulsificantes tradicionais no processo de estabilização de emulsões óleo em água.
O que são ciclodextrinas?
Ciclodextrinas são oligossacarídeos cíclicos quirais não-redutores que são estáveis em soluções ácidas até um pH aproximado de 2.5 - 3. Suas moléculas de estrutura anular consistem de certo número de unidades de alfa-D-glicose, com ligações glicosídicas alfa-1,4 em um anel. Dependendo do número de unidades de glicose – e, consequentemente, do tamanho do anel –, é feita distinção entre alfa-ciclodextrina, beta-ciclodextrina e gama-ciclodextrina. A alfa-ciclodextrina é composta de seis unidades de glicose, a betaciclodextrina de sete e a gama-ciclodextrina de oito.
As ciclodextrinas são produtos da conversão natural do amido. Para o uso industrial, são fabricadas biotecnologicamente através da degradação enzimática de matérias-primas vegetais como o milho ou batatas. Enzimas específicas (ciclodextrinas glicosiltransferases ou CGTases) cortam seções individuais do carboidrato helicoidal do amido e as agrupam em um oligossacarídeo anular: a ciclodextrina.
De maneira geral, as ciclodextrinas são substâncias bem definidas e quimicamente puras que possuem propriedades técnicas consistentes. Ciclodextrinas naturais são sólidos cristalinos incolores, não-higroscópicos e capazes de resistir a temperaturas de até aproximadamente 220°C. Estas moléculas de estrutur a anular são estáveis em soluções alcalinas, mas hidrolisadas em soluções ácidas (pH < 2.5).
A característica especial da ciclodextrina: sua forma anular
As moléculas de ciclodextrina têm forma de anel ou rosquinha (veja Figura 1) com uma cavidade oca. Todos os grupos oxidrila de uma ciclodextrina estão localizados no exterior da molécula, o que explica a natureza hidrofílica da superfície externa. O interior da ciclodextrina contém apenas átomos de oxigênio glicosídico e átomos de hidrogênio ligados diretamente a átomos de carbono. Com isso, a cavidade é hidrofóbica e consideravelmente menos polar que o exterior.
FIGURA 1 - EXEMPLO DE UMA ALFA-CICLODEXTRINA COM SEIS UNIDADES DE GLICOSE ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Esta cavidade interior é capaz de acomodar uma molécula "hóspede" lipofílica, desde que seu tamanho e sua forma sejam compatíveis. A coesão entre as duas moléculas é relativamente frágil (forças de van der Waals), fazendo com que, sob condições adequadas, a molécula hóspede possa ser liberada. As forças van der Waals não alteram quimicamente nenhum dos componentes deste composto de inclusão. Consequentemente, a estrutura química da molécula hóspede permanece inalterada após a complexação da ciclodextrina.
Soluções atuais para a indústria alimentícia
Graças à natureza da sua cavidade interior, as ciclodextrinas são capazes de ligar e estabilizar ingredientes, liberá-los novamente ou - através do exterior hidrofílico - proporcionar melhora da solubilidade. Atualmente, as ciclodextrinas são utilizadas na indústria alimentícia para produzir três efeitos principais: mascarar gostos desagradáveis, proteger ingredientes sensíveis, como antioxidantes ou vitaminas, e melhorar a biodisponibilidade de substâncias ativas.
O chá verde, por exemplo, contém "catequinas", polifenóis com propriedades antioxidativas capazes de neutralizar radicais livres. Acredita-se que as catequinas, além de serem antiinflamatórias, representam papel importante no equilíbrio do colesterol e do peso e até mesmo na prevenção do câncer. O único problema é que as catequinas fazem com que o chá verde e também às bebidas funcionais às quais são adicionadas, fiquem com sabor amargo. Mascarar o gosto amargo com mais açúcar significaria aumentar a quantidade de calorias. Adicionar outros sabores ao produto aumentaria seus custos e poderia deteriorar seu perfil organoléptico. No entanto, as catequinas amargas presentes no chá verde podem ser ligadas na cavidade interior da gama-ciclodextrina, fazendo com que o gosto não seja notado pelo consumidor. Esta é uma forma atraente de mascarar um ingrediente alimentício natural e promotor da saúde, que normalmente teria gosto desagradável, e evitar altas doses de açúcar ou de adoçantes artificiais.
Outro exemplo de aplicação é a coenzima Q10, uma molécula similar a vitaminas encontrada nas células humanas, que tem papel central no metabolismo celular de energia. A quantidade desta coenzima no corpo diminui com a idade e suplementos alimentares, por exemplo, são um meio comprovado de manter o nível da coenzima Q10. O desafio, no entanto, é que a coenzima Q10 é muito pouco solúvel em água e sua biodisponibilidade é muito baixa. A gama-ciclodextrina é capaz de guardar a coenzima Q10 dentro da sua cavidade e de formar um complexo com ela. Graças a este encapsulamento, o complexo coenzima Q10 / gama-ciclodextrina forma uma dispersão molecular em ambiente aquoso que o corpo é capaz de absorver muito mais rapidamente. Análises “in vitro” e “in vivo” mostraram que a absorção da coenzima Q10 pode ser substancialmente melhorada através da sua complexação com a gama-ciclodextrina.
Estes são apenas dois exemplos do uso de ciclodextrinas para a produção de efeitos específicos em produtos alimentares. Além disso, a alfa-ciclodextrina pode ser utilizada como fibra alimentar solúvel. Descobertas recentes mostraram que ela também é capaz de atuar como emulsificante.
Alfa-ciclodextrina como fibra alimentar
Fibras alimentares são componentes importantes de uma dieta saudável do ser humano e podem ser divididas em fibras insolúveis e solúveis. Os dois tipos de fibras não são digestíveis, mas são fermentados por bactérias anaeróbicas no cólon. Numerosos estudos indicam que uma dieta rica nos dois tipos de fibras reduz significativamente o risco de câncer colorretal, doenças cardiovasculares e a obesidade. Por esta razão, a Associação Americana do Coração (AHA, do inglês American Heart Association) recomenda que adultos consumam aproximadamente 25 gramas de fibras alimentares por dia. No entanto, de acordo com a Associação Americana de Dietética (ADA, do inglês American Dietetic Association), o consumo diário normal de fibras alimentares nos Estados Unidos é de apenas 15 gramas por dia.
Já que muitas pessoas não consomem a quantidade diária recomendada, o enriquecimento de alimentos com fibras alimentares se tornou um mercado em crescimento como, por exemplo, o melhoramento de cereais, biscoitos, laticínios e bebidas funcionais. Mas a formulação de fibras adicionais em alimentos e bebidas pode representar um grande desafio. Muitas fibras solúveis são moléculas poliméricas que tendem a aumentar a viscosidade da matriz do alimento, afetando as propriedades organolépticas do produto final e particularmente de produtos líquidos. As condições típicas da produção de alimentos como temperaturas elevadas ou condições ácidas também podem ser problemáticas, pois muitas fibras solúveis não são estáveis sob condições altamente ácidas ou a temperaturas elevadas. Outro efeito indesejado é o escurecimento produzido pela reação de determinadas fibras solúveis com aminoácidos (reação Maillard). O uso de fibras em bebidas é frequentemente limitado por não haver grande disponibilidade de fibras solúveis transparentes. Por fim, determinadas fibras possuem sabor singular próprio, que pode ser desagradável.
Uma solução possível para estes problemas é o uso de alfa-ciclodextrina, uma fibra alimentar solúvel em água, não-digestível e totalmente fermentável. O teor de fibra da alfa-ciclodextrina é de até 98% em base seca e seu valor calórico é de 2 kcal por grama. Em aplicações de alimentos e bebidas, ela fornece uma solução sem turbidez, incolor e inodora, com gosto neutro e baixa viscosidade. A alfa-ciclodextrina tem comportamento de viscosidade similar ao da sacarina (veja Figura 2), propriedade altamente benéfica no mercado de alimentos e bebidas saudáveis que vem apresentando rápido crescimento.
FIGURA 2 - VISCOSIDADE DE POLISSACARÍDEOS E SACARINA (30 GRAMAS/100 ML) ( VEJA NO PDF ABAIXO )
A alfa-ciclodextrina é estável sob altas temperaturas e condições ácidas (temperaturas de até 100ºC (212ºF) e pH de 2.4) sem mostrar sinais de degradação. Muitas fibras alimentares contêm açúcares redutores que podem reagir com proteínas e produzir escurecimento e alterações indesejáveis da cor. A alfa-ciclodextrina não contém açúcares redutores e, por esta razão, não há promoção do escurecimento do alimento - independentemente do pH.
Além disso, de acordo com um estudo científico, a alfa-ciclodextrina pode ter efeito benéfico sobre o colesterol no sangue. A Universidade da Califórnia em Davis, EUA, realizou um estudo clínico de dois meses com placebo controlado com 28 pessoas de teste acima do peso (BMI 25-30), mas não obesos. O estudo revelou que, após a ingestão de seis gramas de alfa-ciclodextrina por dia (2 g/refeição) durante um período de dois meses, os indivíduos perderam peso - sem alterar a dieta ou o estilo de vida (ver Figura 3).
FIGURA 3 - PARÂMETROS SELECIONADOS DE ESTUDO CLÍNICO* COM CAVAMAX® W6 (ALFA-CICLODEXTRINA) ( VEJA NO PDF ABAIXO )
* University of California at Davis. Comerford et al., Obesity, Dec. 2010
Durante a realização do estudo, os parâmetros do sangue colesterol total e colesterol LDL (colesterol "ruim") foram reduzidos. O nível de insulina também diminuiu, o que indica um aumento da sensibilidade à insulina. Ao mesmo tempo, não foram observadas diferenças significativas em glicose em jejum, leptina, adiponectina, proteína C reativa de alta sensibilidade, composição corporal, colesterol HDL ("bom") ou em níveis de triglicerídeos no sangue. Em resumo, os resultados foram os seguintes: um total de seis gramas de alfa-ciclodextrina por dia (2 g/refeição) pode promover perda de peso, redução do colesterol, aumento da sensibilidade à insulina em pessoas saudáveis acima do peso (sem alteração da dieta ou do estilo de vida).
Alfa-ciclodextrina como emulsificante
Outra nova aplicação para a alfa-ciclodextrina é em emulsões óleo em água. Muitos alimentos, como molhos de salada, maionese, margarina e algumas sobremesas, contêm fases aquosa e oleosa, que só formam mistura estável com a adição de emulsificantes.
Emulsificantes comuns incluem mono e diglicerídeos (derivados de ácidos graxos), lecitinas, que também são encontradas na gema do ovo, proteínas (leite) e determinados emulsificantes de baixo peso molecular.
Emulsificantes de origem animal, no entanto, podem desafiar os fabricantes de alimentos.
As proteínas do leite ou a gema do ovo são sensíveis ao calor e a condições ácidas, podendo provocar impacto sobre o processamento do alimento. Além disso, elas podem ser alergênicas e provocar ingestão indesejável de colesterol. O ovo líquido também é de difícil processamento e pode perder a viscosidade durante a armazenagem. Por serem de origem animal, os emulsificantes à base de ovos e proteínas criam problemas de possível contaminação e de segurança do alimento. Há, assim, grande interesse em encontrar uma possível alternativa a emulsificantes de fonte animal.
Um novo método de estabilizar emulsões óleo em água é através do uso da alfa-ciclodextrina.
Seu interior hidrofóbico permite que a alfa-ciclodextrina acomode e encapsule moléculas selecionadas, como os triglicerídeos. Com o triglicerídeo "preso" na cavidade, o exterior hidrofílico promove a formação de uma estrutura similar a um surfactante (veja Figura 4).
FIGURA 4 - O INTERIOR HIDROFÓBICO DE CICLODEXTRINAS ATRAI MOLÉCULAS LIPOFÍLICAS COMO, POR EXEMPLO, UM TRIGLICERÍDEO (À ESQUERDA). GRUPOS DE ÁCIDOS GRAXOS PODEM "DESLIZAR" PARA O INTERIOR DA ALFA-CICLODEXTRINA E FORMAR UMA ESTRUTURA SURFACTANTE, QUE ATUA COMO EMULSIFICANTE (À DIREITA). ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Uma das caudas do ácido graxo do triglicerídeo é encapsulada na cavidade hidrofóbica da alfa-ciclodextrina, enquanto as outras duas permanecem livres. As duas caudas não encapsuladas do ácido graxo formam a porção lipofílica do surfactante, enquanto o exterior da ciclodextrina é a porção hidrofílica. Na emulsão óleo em água, este complexo de triglicerídeo / ciclodextrina formado em situ "permanece" na superfície da gota de óleo e estabiliza micelas constituídas de óleo em água.
Além disso, dependendo da proporção óleo/água e da quantidade de alfa-ciclodextrina utilizada é possível ajustar a viscosidade da emulsão e, com isso, as propriedades organolépticas. Numerosas viscosidades diferentes são possíveis, desde a viscosidade do ketchup à da manteiga de amendoim. A Figura 5 ilustra a comparação da viscosidade de amostras de produtos comerciais e de emulsões óleo em água estabilizadas com alfa-ciclodextrina.
Como vemos, a viscosidade pode ser reproduzida com alfa-ciclodextrina que atua como estabilizador da emulsão.
FIGURA 5 - COMPARAÇÃO DA VISCOSIDADE DE AMOSTRAS DE PRODUTOS COMERCIAIS E DE EMULSÕES ÓLEO EM ÁGUA ESTABILIZADAS COM ALFA-CICLODEXTRINA ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Um importante fator na escolha de ingredientes pelos produtores de alimentos é frequentemente sua fonte. Os consumidores preferem produtos de fabricação natural ou com ingredientes de fontes renováveis. Pandemias, como a doença da vaca louca e a gripe aviária, intensificaram a tendência de afastamento da utilização de matérias-primas baseadas em produtos animais e fizeram aumentar a demanda por ingredientes alimentícios de origem segura. A alfa-ciclodextrina segue esta tendência por ser produto da conversão natural do amido. Para o uso industrial, ela é fabricada a partir de matérias-primas vegetais, como o milho ou amido de batata, através da degradação enzimática.
De maneira geral, a alfa-ciclodextrina comprovou ser um emulsificante adequado para uma variedade de aplicações na indústria alimentícia. Além de estabilizar emulsões óleo em água, a alfa-ciclodextrina também ajuda a ajustar a viscosidade e o paladar de molhos, maionese, sobremesas cremosas e margarinas, entre outros.
Conclusão
As ciclodextrinas possuem propriedades notáveis para aplicações diversificadas em alimentos e bebidas. Elas não têm turbidez, são inodoras, têm gosto neutro, sendo capazes de ajustar o gosto e o odor, elevar a biodisponibilidade de ingredientes ou de protegê-los e estabilizá-los. Além disso, como fibra alimentar, a alfa-ciclodextrina comprovou ser capaz de reduzir o nível de gordura no sangue. Em emulsões óleo em água, estas moléculas de estrutura anular atuam como emulsificantes solúveis em água. A alfa-ciclodextrina também adiciona textura, permitindo o ajuste do paladar da maneira desejada. Por fim, as ciclodextrinas de fonte puramente vegetal são isentas de colesterol, não-alergênicas e produzidas com matérias-primas vegetais renováveis. A alfa-ciclodextrina tem aprovação GRAS (Generally Recognized As Safe) nos EUA, Novel Food na União Europeia e como aditivo alimentar no Japão.
Informações detalhadas sobre a alfa-ciclodextrina da Wacker
A Wacker atua no campo de ciclodextrinas desde meados dos anos 80. Hoje, o grupo químico alemão é a única empresa no mundo capaz de produzir a nível comercial todos os três tipos de ciclodextrinas naturais, que são comercializadas com o nome de Cavamax®.
A Wacker desenvolveu e possui a propriedade intelectual, de produção e processo das enzimas. Uma planta de produção que aplica a tecnologia de enzima desenvolvida pela Wacker está localizada em Eddyville (Iowa, EUA) e produz ciclodextrinas desde 1999.
Com laboratórios de P&D para aplicações em alimentos e bebidas localizados em Adrian (Michigan, EUA) e Burghausen (Alemanha), a Wacker está focada em desenvolvimentos individualizados para atender às demandas específicas dos clientes.
FIGURA 6 - AMOSTRAS DE TESTE NO LABORATÓRIO DE ALIMENTOS EM BURGHAUSEN ( VEJA NO PDF ABAIXO )
(foto: Wacker Chemie AG).
* Heiko Zipp é diretor da equipe do negócio de nutrição da Wacker Biosolutions, a divisão de Ciências da Vida e Biotecnologia da Wacker Chemie AG.
Wacker Química do Brasil Ltda.
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