Os hidrocolóides, comumente chamados gomas, são importantes componentes da textura dos alimentos devido às suas propriedades hidrofílicas. São amplamente utilizados como aditivos alimentícios e possuem como funções a melhoria da textura, retardamento da retrogradação do amido, e aumento da retenção de umidade. As gomas são obtidas de uma ampla variedade de fontes. Muitas são obtidas de plantas, tais como algas, sementes e exsudados de árvores; outras são produtos da biossíntese microbiana; e outras, ainda, são produzidas por modificações químicas dos polissacarídeos naturais.
Introdução
O termo hidrocolóides refere-se a uma série de polissacarídeos e proteínas que são hoje amplamente utilizados em uma variedade de setores industriais para realizar uma série de funções, como espessar e/ou gelificar soluções aquosas, estabilizar espumas, modificar e/ou controlar as propriedades de fluxo e a textura dos alimentos líquidos e das bebidas, inibir a formação de cristais de gelo e de açúcar e controlar a liberação de sabores, assim como modificar as propriedades de deformação de produtos semi-sólidos.
Os hidrocolóides comercialmente importantes e sua origem são apresentados na Tabela 1
TABELA 1 - FONTES DE HIDROCOLÓIDES COMERCIALMENTE IMPORTANTES ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Nos últimos 15 anos a utilização de hidrocolóides pela indústria alimentícia, em particular, tem crescido muito. Mesmo que frequentemente presentes apenas em concentrações menores do que 1%, podem ter uma influência significativa sobre as propriedades texturais e organolépticas dos produtos alimentícios, como a goma xantana como espessante.
As mudanças no estilo de vida moderno, a crescente conscientização da relação entre dieta e saúde, e as novas tecnologias de processamento levaram a um rápido aumento no consumo de refeições prontas, novos alimentos e ao desenvolvimento de alimentos com fibras e com baixo teor de gordura. Em particular, numerosos ingredientes à base de hidrocolóides foram desenvolvidos especificamente para utilização como substitutos de gordura em produtos alimentícios. As características de funcionalidade dos principais hidrocolóides são apresentadas na Tabela 2.
TABELA 2 - CARACTERÍSTICAS DE FUNCIONALIDADE DOS HIDROCOLÓIDES ( VEJA NO PDF ABAIXO )
A escolha de um hidrocolóide é feita em função das características funcionais desejadas, mas é também influenciada pelo fator preço e regularidade no fornecimento.
Aspectos gerais sobre a reologia de hidrocolóides
A grande maioria das aplicações de polissacarídeos na indústria alimentícia está associada à capacidade que eles possuem de alterar, drasticamente, as suas propriedades físicas quando em solução, resultando em soluções de alta viscosidade ou criando redes intermoleculares coesivas. Nesses casos, o conhecimento do comportamento reológico das soluções de polissacarídeos é de fundamental importância no projeto, na avaliação e na modelagem de processos. Além disso, as propriedades reológicas, também, são um indicador da qualidade do produto e desempenham um papel fundamental na análise das condições de escoamento em processos alimentícios, como pasteurização, evaporação e secagem.
O comportamento reológico dos materiais, especialmente de sistemas de polissacarídeos, pode ser afetado por uma série de fatores, principalmente aqueles relacionados às características moleculares e supramoleculares. A nível molecular, a cadeia polimérica principal e suas características relacionadas, tais como comprimento em solução, forma e eventual presença de grupos ionizáveis, representam o papel principal na determinação das propriedades macroscópicas do sistema, incluindo a reologia. Muitos desses parâmetros moleculares estão correlacionados, outros devem ser combinados com fatores externos como, por exemplo, as características do meio solvente. Essas características irão, posteriormente, exercer influência sobre a conformação adotada pela macromolécula no sistema, assim como sobre a possibilidade de formação de estruturas supramoleculares. Em outras palavras, mudanças na força iônica, na temperatura ou em outros parâmetros do solvente podem induzir a uma transição conformacional, modificando a resistência hidrodinâmica da macromolécula ao escoamento. Além disso, se a concentração do polímero for suficientemente alta, as variações descritas acima podem promover mudanças estruturais a um nível supramolecular e, consequentemente, modificar o comportamento reológico.
Os polissacarídeos em soluções diluídas encontram-se na forma de espirais desordenadas e aleatórias, cuja forma flutua continuamente através do movimento browniano. As propriedades apresentadas por essas soluções estão associadas ao grau de ocupação do espaço pelo polímero. Sob baixas concentrações, a solução é formada por ilhas de espirais que estão bem separadas umas das outras e completamente livres para se movimentarem de forma independente. Com o aumento da concentração, entretanto, as espirais começam a se tocar e pode haver a formação de moléculas adicionais pela sobreposição ou pela acomodação de uma espiral na outra. Com a formação dessas sobreposições, as cadeias individuais poderão se movimentar somente pelo processo de contorção através da rede emaranhada de cadeias vizinhas. O início do processo de sobreposição das espirais é determinado por dois fatores: o número de cadeias presentes (proporcional à concentração) e o volume que cada uma ocupa (associado ao peso molecular).
Um parâmetro conveniente para a caracterização do volume das espirais é a viscosidade intrínseca ou o número limite de viscosidade (η) que mede o aumento fracional na viscosidade por unidade de concentração de cadeias isoladas. Para qualquer polissacarídeo específico, a viscosidade intrínseca aumenta com o peso molecular (M) de acordo com a relação de Mark-Houwink, como mostra a Equação 1, onde os parâmetros K e a variam de um sistema para o outro e devem ser determinados experimentalmente.
EQUAÇÃO 1 – VARIAÇÃO DOS PARÂMETROS DE UM SISTEMA PARA O OUTRO ( VEJA AS EQUAÇÕES NO PDF ABAIXO )
η = KM a
A viscosidade intrínseca é determinada, experimentalmente, através da medição da viscosidade das soluções sob concentrações muito baixas (c). Denotando as viscosidades da solução e do solvente como ηe (ηs), respectivamente, (η) é definida formalmente pelas relações apresentadas nas Equações 2, 3 e 4
A transição de uma solução diluída de espirais com movimentos livres e independentes para uma rede emaranhada é acompanhada por uma mudança muito marcada na dependência da viscosidade da solução com a concentração. Sob concentrações inferiores ao início da sobreposição das espirais, a viscosidade específica é, aproximadamente, proporcional a c1,3. Sob concentrações mais elevadas, onde as cadeias estão emaranhadas, as viscosidades aumentam mais, rapidamente, com o aumento da concentração, variando aproximadamente com c3,3.
A concentração em que a sobreposição das espirais começa a ocorrer é referida como concentração crítica (c*). O volume das espirais pode variar, largamente, de uma amostra para outra, havendo uma variação correspondente no valor de c*. Em soluções diluídas, abaixo do início da sobreposição (c < c*), as viscosidades mostram apenas uma pequena dependência com a taxa de deformação, devido ao fato de as espirais individuais estarem sendo esticadas pelo escoamento e oferecendo menor resistência ao movimento. No entanto, quando c > c*, em geral, as soluções começam a apresentar características pseudoplásticas.
Muitos estudos revelam que a dependência da viscosidade específica com a concentração mostra duas regiões de comportamento de lei da potência, sendo uma de cada lado da concentração crítica. Os valores da potência para as duas regiões para diferentes biopolímeros lineares (goma guar, goma locusta, alginato) têm sido apresentados na faixa de 1,1 a 1,4 na região diluída e de 3,5 a 5,1, na região concentrada. Para a maltodextrina, os autores encontraram um valor de 1,4, na região diluída, e 4,7, para altas concentrações.
Os valores das concentrações críticas variam muito entre os biopolímeros.
Para que a solução de polissacarídeos comece a escoar, os emaranhados intermoleculares devem ser separados. Quando as soluções são cisalhadas por baixas taxas de deformação, há tempo suficiente para que novos emaranhados se formem entre diferentes pares de cadeias. Dessa maneira, a densidade de interligação global da rede permanece constante e a viscosidade da solução, também, permanece constante em um valor máximo fixo - a viscosidade de cisalhamento zero (ηo). Sob taxas de deformação mais elevadas, entretanto, onde a taxa de reagrupamento cai através da taxa de separação dos emaranhados existentes, a extensão de agrupamento-desagrupamento diminui, progressivamente, com o aumento da taxa de deformação e a viscosidade cai, tipicamente, por duas ou três ordens de magnitude através da faixa de taxa de deformação de importância prática.
Não obstante diferentes soluções de polissacarídeos apresentarem diferentes valores de viscosidade máxima à taxa de deformação zero, e diferentes valores de taxa de deformação para a qual a solução começa a escoar, todas elas apresentam uma forma geral de comportamento pseudoplástico.
Além da concentração, a viscosidade de soluções de polissacarídeos, também, é, significativamente, afetada por variáveis como taxa de deformação, temperatura, tensão e tempo de cisalhamento.
A temperatura tem uma importante influência sobre o comportamento de escoamento de soluções de hidrocolóides. Uma vez que diferentes temperaturas são encontradas, durante o processamento de hidrocolóides, suas propriedades reológicas devem ser estudadas em função da temperatura.
As soluções de gomas, geralmente, são fluidos não-newtonianos com comportamento pseudoplástico. Diversos modelos têm sido aplicados para descrever o comportamento reológico de soluções de hidrocolóides, por exemplo, modelos lineares (newtoniano ou Bingham), lei da potência (Ostwald-de-Waele), lei da potência com tensão residual (Herschel- Bulkley) e o modelo de Casson. Dentre esses, o da Lei da Potência é talvez o mais utilizado para fluidos não-newtonianos e é, extensivamente, utilizado para descrever as propriedades de escoamento de líquidos, tanto em análises teóricas, quanto em aplicações práticas da engenharia. As soluções de hidrocolóides, também, podem apresentar propriedades reológicas dependentes do tempo, principalmente, a tixotropia.
A viscosidade de suspensões densas é, fortemente, influenciada pelo arranjo das partículas em grandes frações volumétricas. A maior parte dessas suspensões só escoa, quando a sua estrutura, que consiste de uma rede que previne o escoamento, tiver sido degradada por uma tensão elevada o suficiente - a tensão residual. Em uma curva de tensão versus taxa de deformação de um material que apresenta tensão residual, a tensão aumenta, incialmente, de uma maneira quase linear (tensão proporcional à deformação), confirmando a natureza elástica do material abaixo da tensão residual. A inclinação da curva começa a decrescer no limite de reversibilidade do material (tensão residual limite elástica), na qual o comportamento plástico ou não-linear é observado, até atingir um máximo (tensão residual estática), após a qual a resposta do material passa a ser como a de um líquido. O platô de tensão para altas deformações é referido como tensão residual dinâmica, que é equivalente à tensão à taxa de deformação zero extrapolada nas curvas de tensão versus taxa de deformação, assim como a tensão residual, que aparece como um parâmetro do material em modelos constitutivos.
Comportamento reológico de polissacarídeos utilizados na indústria de alimentos
Para que seja possível definir qual o melhor polissacarídeo a ser empregado na produção de um determinado alimento, deve-se estabelecer, em primeiro lugar, quais são os atributos físicos e sensoriais desejáveis. Em segundo lugar, devem ser conhecidas as condições de processamento e de armazenagem desse produto. Considerando-se esses aspectos, é preciso conhecer as propriedades dos polissacarídeos existentes e como eles se comportam, quando submetidos às condições de processamento e armazenagem do produto, considerando, ainda, a interação com os ingredientes da formulação.
O comportamento reológico de soluções de polissacarídeos é um dos mais importantes, pois está fortemente associado à estrutura molecular dos ingredientes e o seu conhecimento é fundamental para o dimensionamento das condições de processo e avaliação da qualidade do produto final.
Existem muitos estudos sobre esses comportamentos reológicos específicos e, a seguir, apresentamos alguns deles.
Em um estudo do efeito da concentração e da temperatura sobre a gelatinização de soluções de maltodextrina, através de medidas de viscosidade, foiobservado que, à temperatura de 60°C, as soluções apresentaram um comportamento newtoniano dentro da faixa de concentrações estudada (1% a 40%). Através da determinação do comportamento da viscosidade específica em função da concentração, conseguiu-se visualizar a concentração crítica das soluções, que foi estimada em 17%. A maior parte dos polímeros apresenta um comportamento pseudoplástico em soluções que se encontrem acima da concentração crítica, devido à desagregação e orientação das cadeias sob tensões elevadas. No entanto, no caso das soluções de maltodextrina preparadas acima de c*, o comportamento newtoniano, ainda, foi observado. Esse fato pode ser relacionado à estrutura ramificada da amilopectina e à polidispersidade no peso molecular da amostra.
Em outro estudo, acompanhou-se as propriedades reológicas de diversos hidrocolóides (carragenana, pectina, gelatina, amido e xantana) sob diferentes concentrações (1% a 6%, dependendo do tipo de hidrocolóide) e de temperatura (20oC, 40oC, 60oC e 80oC). O estudo confirmou a existência de uma dependência das características reológicas com a concentração e a temperatura, que variou de um hidrocolóide para o outro. De acordo com as observações, elevadas concentrações de gomas resultam em um aumento nas viscosidades newtoniana e aparente, ao passo que elevadas temperaturas provocam redução nelas. A gelatina, que é uma proteína, apresenta um comportamento, claramente, newtoniano, enquanto que os demais apresentam comportamento não-newtoniano de fluidos pseudoplásticos. As curvas de escoamento do amido e da pectina podem ser representadas pelo modelo da Lei da Potência, em todas as temperaturas e concentrações.
Para todos os hidrocolóides, a pseudoplasticidade aumentou com o aumento da concentração, caracterizada por um decréscimo no índice de comportamento. Contrariamente, os hidrocolóides apresentaram uma redução na pseudoplasticidade com o aumento da temperatura. O índice de consistência, por sua vez, aumentou com o aumento da concentração e com a redução da temperatura, indicando um aumento na viscosidade aparente. Comparativamente, a goma xantana foi a mais pseudoplástica e a menos dependente da temperatura, ao passo que a pectina teve o comportamento mais próximo do newtoniano. A carragenana foi a mais afetada pela temperatura e exibiu uma elevada tensão residual sob baixas temperaturas.
Observou-se, ainda, a existência de uma tensão residual nas soluções de goma xantana, em todas as condições experimentais, e nas de goma carragenana, para as concentrações de 2% e 3% à temperatura de 20oC. Por essa razão, o comportamento reológico dessas soluções foi representado pelo modelo de Herschel-Bulkley. O aumento da concentração das soluções e a redução da temperatura de medida provocaram o aumento da tensão residual. Esse estudo ressaltou que a tensão residual é uma propriedadedesejávelemgomasporauxiliarna manutenção de diversos ingredientes, utilizados na formulação de alimentos, em seus devidos lugares.
Soluções de goma com valores elevados de η, ou seja, com comportamento, altamente, pseudoplásticos, tendem a apresentar uma sensação de viscosidade na boca. Desse modo, quando características de elevada viscosidade e um bom mouthfeel são desejáveis em uma formulação, a escolha deve ser de um sistema de gomas que possua um comportamento, altamente, pseudoplástico.
Outro trabalho de pesquisa estudou a viscosidade de soluções de goma locusta em função da taxa de deformação, da concentração da solução, da temperatura de solubilização e da temperatura de medida. De acordo com os resultados, as soluções apresentaram comportamento pseudoplástico e um decréscimo na viscosidade com o aumento da temperatura de medida. A temperatura de solubilização teve forte influência sobre a viscosidade aparente das soluções, havendo um aumento na viscosidade aparente com o aumento da temperatura de dissolução. Esse comportamento foi atribuído à diferença no peso molecular e na extensão e/ou regularidade de ramificação das moléculas que se dissolvem às diferentes temperaturas, provocando uma variação na razão galactose/manose da solução. O aumento da temperatura de solubilização provoca a dissolução de moléculas de peso molecular mais elevado e uma menor razão entre galactose e manose, o que provoca um aumento na viscosidade da solução. No entanto, observou-seque, quando a temperatura de dissolução atingiu 80oC, houve uma inversão no comportamento da viscosidade, que foi atribuída à degradação térmica das moléculas em solução ou a um enfraquecimento ou quebra das ligações intermoleculares.
Em outra pesquisa comparou-se as propriedades reológicas da goma guar e goma arábica com as de polissacarídeos elaborados a partir da fermentação de culturas celulares de plantas. Todos o polissacarídeos apresentaram comportamento reológico não-newtoniano muito pseudoplástico, porém os polissacarídeos fermentados apresentaram maior dependência com as condições de temperatura e pH. De acordo com a pesquisa, as soluções de goma guar não apresentaram dependência da viscosidade com a temperatura. Isso indica que o polímero é formado por estruturas rígidas ou que a concentração eletrolítica é elevada o suficiente para que os efeitos da temperatura e do pH sejam ocultados. Observou-se ainda uma inversão no comportamento da viscosidade aparente com a temperatura, em função da taxa de deformação, nas soluções de goma arábica e de polissacarídeos fermentados, como mostra a Figura 1. Os dados apresentados correspondem a uma solução de goma arábica 20% (peso/volume) sob várias temperaturas. Analisando-se a Figura 1, nota-se que há uma intersecção de um estado de alta viscosidade para um estado de viscosidade, relativamente, baixa sob altas taxas de deformação. A goma arábica é considerada como um hidrocolóide compacto e ramificado. No entanto, como mostra o comportamento de intersecção, as moléculas, ainda, devem estar aptas a sofrer alterações conformacionais no campo de cisalhamento. As curvas se cruzam a uma taxa de deformação de, aproximadamente, 5s-1. Deve-se observar que o comportamento pseudoplástico é observado para sistemas coloidais de esferas rígidas com alta fração volumétrica. Esse comportamento foi atribuído a reorganizações estruturais das suspensões.
FIGURA 1 - COMPORTAMENTO DA VISCOSIDADE EM FUNÇÃO DA TAXA DE DEFORMAÇÃO PARA SOLUÇÃO DE GOMA ARÁBICA 20% (PESO/VOLUME) SOB DIFERENTES TEMPERATURAS ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Muitos estudos têm sido desenvolvidos sobre a interação entre diferentes polissacarídeos, avaliando o sinergismo das misturas, o aumento provocado na viscosidade das soluções e a habilidade de formação de géis.
Já em 1999, Felix Garcia-Ochoa e José A. Casa, autoridades em goma xantana, estudaram a viscosidade da mistura de gomas xantana e locusta e observaram que, quando as soluções são misturadas, ocorre um aumento dramático na viscosidade, muito maior do que a viscosidade combinada das soluções individuais dos polissacarídeos. Os autores avaliaram a influência da concentração total de polissacarídeos, da razão entre gomas xantana e locusta e da temperatura de dissolução sobre o comportamento reológico da mistura. O aumento na viscosidade da solução foi atribuído à interação entre as moléculas das gomas xantana e locusta, que ocorre entre as cadeias laterais das moléculas de goma xantana e a cadeia principal da goma locusta. A estrutura das moléculas das gomas xantana e locusta em solução tem grande influência sobre a viscosidade final da solução. A conformação da molécula da goma xantana muda com o aumento da temperatura, passando de uma estrutura ordenada para uma desordenada. A composição da goma locusta, por sua vez, muda com a temperatura de dissolução, havendo uma redução na razão galactose/manose com o aumento da temperatura, de modo que regiões mais lisas (sem os radicais de galactose) estão, predominantemente, dissolvidas. Essas condições favorecem a interação entre as gomas, provocando o aumento na viscosidade.
Um outro estudo do comportamento reológico de misturas de gomas (xantana, guar e alginato) com salep foi realizado pelos pesquisadores turcos Ahmed Kayacier et Mahmut Dogan, com a finalidade de se avaliar a sinergia entre os componentes. O salep é um ingrediente alimentício, obtido através da moagem de tubérculos secos de orquídea selvagem, extensivamente, utilizado na Turquia para a produção de sorvetes e de uma bebida quente. Em sua composição básica, o salep contém glucomanose e amido, de forma que, além de conferir ao produto o aroma e o sabor desejados, também, atua como espessante e estabilizante. Todas as soluções avaliadas apresentaram um comportamento reológico não-newtoniano pseudoplástico que foi descrito pelo modelo de Lei da Potência. Os autores observaram um aumento na viscosidade aparente das soluções com o aumento da concentração das gomas e de salep. A goma guar, particularmente, sob altas concentrações, foi a que apresentou um melhor efeito sinérgico com o salep, caracterizado por um aumento na viscosidade. Dessa forma, os autores concluíram que o uso combinado de salep e goma guar pode auxiliar na obtenção da consistência desejada em formulações de alimentos, utilizando-se uma menor quantidade de espessantes.
Alberto Tecantee Jean-Louis Doublier (1999) estudaram o comportamento reológico de misturas do amido de milho ceroso (CWCS) e goma κ-carragenana, com adição de cloreto de potássio, e observaram que a presença da goma e de KCl nas soluções de amido tiveram um efeito notável sobre a viscosidade e sobre o seu comportamento reológico. As soluções apresentaram comportamento não newtoniano pseudoplástico. Os autores observaram um aumento na viscosidade, quando o KCl não foi adicionado para todas as concentrações de amido avaliadas (0%, 2%, 3% e 4%), sendo que, quanto maior a concentração de amido, maior foi o aumento observado.
Jeanny Zimerie Jozef L. Kokini (2003) estudaram as propriedades reológicas de sistemas combinados de inulina e amido de milho ceroso como um modelo de interação entre carboidratos em alimentos. Os autores observaram uma forte dependência da viscosidade com o comportamento de fases e da microestrutura dos sistemas. Todas as amostras apresentaram um comportamento pseudoplástico, sendo que as misturas com elevadas concentrações de inulina (30 a 40%) mostraram uma tensão residual, caracterizada pelo ajuste dos dados experimentais pelo modelo de Herschel-Bulkley. As curvas de escoamento, também, tiveram um bom ajuste pelo modelo de Carreau, que foi utilizado para estimar a viscosidade ηo.
Em sistemas combinados de inulina e amido de milho ceroso (WMS), a concentração de inulina teve forte influência sobre as propriedades reológicas da mistura. Zimeri & Kokini (2003) observaram a existência de uma concentração crítica de inulina, abaixo da qual o sistema se comporta como um sistema contínuo de WMS com a inulina, sendo a fase dispersa. Para valores acima de c*, no entanto, o sistema passa a se comportar como um sistema contínuo de inulina, com o WMS como fase dispersa.
Paoletti et. al. (2001) estudaram o comportamento reológico de misturas de inulina com gomas locusta, carragenana, guar e com alginato, preparadas com 25% de inulina e 1% das gomas e analisadas à temperatura de 20oC. A mistura de inulina com goma locusta foi a que apresentou o maior sinergismo entre os componentes, caracterizado por uma alteração no comportamento reológico de newtoniano para pseudoplástico e por um aumento na tensão residual de 0,41 para 3,27Pa, com a adição de inulina ao gel de goma locusta 1%. Por outro lado, a mistura de inulina com goma carragenana não alterou o comportamento reológico do gel de carragenana 1%.
A influência da adição de amidos hidrolisados e modificados, em diferentes concentrações, sobre o comportamento reológico de soluções de inulina mostrou que a adição dos amidos provocou um aumento na viscosidade aparente das soluções, porém, não alterou o comportamento reológico das soluções, que foi de fluido não- newtoniano pseudoplástico, representado pelo modelo de Lei da Potência. A adição dos amidos provocou uma redução no índice de consistência da solução de inulina, provocando uma redução na pseudoplasticidade.
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TABELA 3 - PRINCIPAIS HIDROCOLÓIDES COM FUNÇÃO ESPESSANTE ( VEJA NO PDF ABAIXO )
TABELA 4 - PRINCIPAIS HIDROCOLÓIDES COM FUNÇÃO GELIFICANTE ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Gel formado por resfriamento na presença de sais, principalmente, de sais de potássio.As moléculas sofrem uma transição na espiral da hélice, através da agregação es hélices. Os íons de potássio se ligam especificamente as hélices. Os sais presentes reduzem a repulsão eletrostática entre as cadeias que promovem a agregação.
Carragena Iota
Gel formado por resfriamento na presença de sais. As moléculas sofrem uma transição na espiral da hélice, através da agregação de hélices. Os sais presentes reduzem a repulsão eletrostática entre as cadeias que promovem a agregação.
Pectina de baixa metilação
Gel formado na presença de cátions divalentes, principalmente, de cálcio em baixo pH (3 a 4,5). Moléculas de ligação cruzada por cátions. O baixo pH reduz as repulsões eletrostáticas intermoleculares.
Goma gelana
Gel formado por resfriamento na presença de sais. As moléculas sofrem uma transição na espiral da hélice, através da agregação de hélices. Os sais reduzem a repulsão eletrostática entre as cadeias e promovem a agregação. Íons multivalentes podem atuar em ligações cruzadas das cadeias transversais. Géis de gelana de baixo acil são termorreversíveis em baixas concentrações de sal, mas não termorreversíveis em presença de elevados teores de sal (> 100mM), em particular, na presença de cátions divalentes.
Metilcelulose e hidroxipropilmetilcelulose
Gel formado por aquecimento. As moléculas se associamno aquecimento devido à interação hidrofóbica dos grupos metila.
Goma xantana e goma alfarroba ou konjac mannan
Gel formado por resfriamento de misturas. As cadeias de xantana e polimananase associam seguindo transição hélice/espiral da xantana.Na goma alfarroba as regiões de galactose deficientes estão envolvidas na associação.
2. Agentes gelificantes termicamente irreversíveis
Alginato
Gel formado com a adição de cátions polivalentes, principalmente cálcio, ou a baixo pH (< 4). Moléculas de ligação cruzada pelos íons polivalentes.Resíduos de ácido gulurônico oferecem uma conformação dobrada, proporcionando um local eficaz de ligação para os cátions (modelo caixa de ovo).
Pectina de alto grau de metilação
Gel formado em elevados teores de sólidos solúveis (por exemplo, 50% de açúcar),baixo pH < 3,5. O alto teor de açúcar e o baixo pH reduzem a repulsão eletrostática entre as cadeias.A associação de cadeia também é incentivada pela atividade de água reduzida.
FIGURA 2 - COMPARAÇÃO QUALITATIVA DAS TEXTURAS DE GÉIS PRODUZIDOS POR HIDROCOLÓIDES DIFERENTES ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Um aumento na fragilidade é geralmente acompanhado por um aumento na tendência de se submeter a sinérese, sendo atribuída a um aumento do grau de agregação das cadeias moleculares.
Combinações sinérgicas de hidrocolóides
As misturas de hidrocolóides são comumente utilizadas para conferir características reológicas melhores ou novas, aos produtos alimentícios, sendo também utilizadas como um incentivo adicional a redução dos custos.Exemplos clássicos incluem a adição de goma alfarroba e carragenakappa para produção degéis mais suaves e mais transparentes, bem como a adição de goma alfarroba à goma xantana para induzir a formação de gel.A natureza da sinergia pode ser devido à associação, ou a não associação, das moléculas dos diferentes hidrocolóides utilizados.Os vários efeitos que podem ocorrer são esquematicamente apresentados na Figura 3.
FIGURA 3 - REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DAS INTERAÇÕES QUE OCORREM EM SOLUÇÕES QUE CONTÊM MISTURAS DE HIDROCOLÓIDES ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Com a associação dos dois hidrocolóides pode ocorrer a precipitação ou gelificação.Os hidrocolóides de carga oposta (por exemplo, uma proteína abaixo do seu ponto isoelétrico, e um polissacarídeo aniônico) são susceptíveis de associação e formação deum precipitado, enquanto há evidências que mostram que para algumas moléculas de polissacarídeos rígidos (por exemplo, os exemplos acima referidos) a associação resulta em formação de gel.Se os dois hidrocolóides não se associam, como geralmente é o caso, então, a baixas concentrações, eles irão existir como uma única fase homogênea, enquanto que a concentrações mais elevadas, irão separar-se em duas fases líquidas, cada uma enriquecidacom um dos hidrocolóides. O processo de separação de fase envolve a formação de emulsões água-em-água, que consistem de gotículas enriquecidas com um hidrocolóide disperso em uma fase contínua, enriquecido no outro.A fase em que estáo hidrocolóide, dispersa e contínua, depende das concentrações relativas.Se um ou ambos os hidrocolóides formarem géis de forma independente, a separação de fases e gelificação ocorrerá simultaneamente. As características do gel resultante irão depender das taxas relativas desses dois processos.A cuidadosa seleção do tipo e concentração de hidrocolóidepode, portanto, levar à formação de uma ampla gama de texturas de gel, sendo esta uma área que continua merecendo considerável atenção.
Fibras de hidrocolóides
Devido a crença em todo o mundo de que os alimentos que contêm fibras naturais sãoparte integrante de uma alimentação saudável, os produtores de alimentos buscam cada vez mais as fontes de matérias-primas naturais. Há uma crescente demanda por parte do consumidor para redução de gordura e por alimentos ricos em fibras de todos os tipos. Se isso pode ser obtido usando materiais com baixo valor calórico, o resultado será ainda mais benéfico para a saúde. Os alimentos que contêm esses ingredientes devem ter a qualidade igual a do produto original e não apresentar efeitos adversos da dieta. Esse objetivo não pode ser alcançado sem o uso científico de espessantes, estabilizantes e emulsificantes, particularmente do “tipo natural”. Essa necessidade do uso de fibras, que podem interagir com água para formar novas texturas e executar funções específicas, por si só requer o uso de hidrocolóides. É tarefa dos cientistas de alimentos fornecerem os hidrocolóides na forma mais adequada para inclusão no produto alimentício, o que requer uma compreensão da sua estrutura e da forma como agem para produzir a função desejada no alimento.
A fibra dietética foi descrita pela primeira vez como os restos do esqueleto da parede celular da planta que são resistentes à hidrólise pelas enzimas digestivas do homem. Hoje, considera-se como fibra dietética os polissacarídeos não amiláceos, resistentes às enzimas endógenas do homem. Os países industrializados em geral reconhecem as propriedades benéficas a saúde de um maior consumo de fibras ede uma ingestão reduzidade gorduras total e saturada. Nesse sentido, a fibra é usada de forma não específica, masgeralmente se refere aoscomponentes estruturais de cereais e legumes. Mais recentemente, surgiu o conceito defibra solúvel, a qual auxilia na redução do colesterol plasmático e na fermentação no intestino grosso.
Efeitos físicos
A fibra dietética para ser eficaz deve ser resistente às enzimas do trato gastrointestinal humano e animal. No estômago e intestino delgado a fibra pode aumentar a massa digerida, contribuindo para um maior bolo fecal, o que explica o alívio da constipação, que é um dos efeitos das fibras mais bem documentados. Pode aumentar a massa fecal e facilitar a defecação de forma muito eficiente. Esse comportamento tem considerável importância humana e agrícola. O crescimento do animal ruminante depende do teor em fibras fermentáveis de sua alimentação.
As fibras solúveis, bem como as insolúveis exercem suas ações no intestino superior através das suas propriedades físicas. Aquelas que formam géis ou soluções viscosas podem retardar o trânsito no trato gastrointestinal superior e a absorção da glicose. É assim que pode ser explicada a redução na resposta glicêmica por fibras solúveis.
Efeitos em produtos fermentáveis
Vários microorganismos intestinais atacam as fibras solúveis, semelhante na fermentação no rúmen de herbívoros, ovinos e bovinos. Os produtos são semelhantes; ácidos graxos de cadeia curta, gases (hidrogênio, dióxido de carbono e metano) e aumento da massa bacteriana. Os principais ácidos graxos de cadeia curta são os mesmos em seres humanos e em ruminantes, assim como as concentrações também são semelhantes, em particular para animais onívoros, com uma fisiologia digestiva semelhante (por exemplo, o porco). O aumento da massa celular bacteriana também tem efeito positivo sobre o efeito laxante. As fezes são compostas por aproximadamente 25% de água e 75% de matéria seca. O principal componente são os resíduos não digeridos, além das bactérias e restos da parede celular bacteriana. Estes formam uma “esponja” de retenção de água, com condições de massa fecal e restos celulares. A capacidade das diferentes fibras para aumentar a massa fecal depende de uma complexa relação entre as propriedades químicas e físicas da fibra e da população bacteriana do cólon.
Benefícios para saúde
Seja pela ação do volume físico ou pela produção de ácidos graxos de cadeia curta, as vantagens para a saúde são várias. A ingestão de fibras (20g a 30g por dia em humanos) pode eliminar a constipação fecal ea retenção de água. A fermentação produzindoácidos graxos de cadeia curta também pode ajudar, uma vez que o propionato estimula a atividade muscular do cólon e incentiva a expulsão do bolo fecal.
Antigamente, pensava-se que as fibras no cólon provocavam inflamação e hérnia. Atualmente, sabe-se que as fibras podem aliviar as condições da doença diverticular, provavelmente da mesma maneira como alivia a constipação.
Os ácidos graxos de cadeia curta estimulam a absorção de água e de eletrólitos através da mucosa e melhoram o seu transporte através do aumento do fluxo sanguíneo no cólon. A fermentação da fibra também reduz a população de bactérias patogênicas, como o Clostridia, e impede a diarréia provocada por toxinas bacterianas. Estudos epidemiológicos mostram que as populações que ingerem altos níveis de fibra em sua dieta reduzem o risco de câncer de cólon. A proteção pode ser através do butirato, que inibe o crescimento de células tumorais in vitro.
O comportamento dos ácidos graxos de cadeia curta no intestino pode influenciar o sistema imune.
Conclusão
Os hidrocolóides são ingredientes essenciais para a formulação de alimentos, capazes de exercer uma grande variedade de funções para melhorar a qualidade dos produtos finais. No entanto, as suas propriedades físicas e químicas têm forte influência sobre o seu comportamento quando aplicados em formulações e submetidos às condições de processo. Por isso, um profundo conhecimento do comportamento reológico dos polissacarídeos é essencial para a formulação de alimentos, para o projeto e avaliação das condições de processo e para a determinação da qualidade do produto final.
Existem diversos hidrocolóides que possuem uma longa história de utilização como aditivos alimentícios em várias partes do mundo. Um exemplo notável é o da konjac manana que tem sido usada por centenas de anos no Japão para a produção de macarrão, ou mesmo, como alimento. Quando dissolvido em água, esse material possui propriedades semelhantes a da goma alfarroba, porém, produz soluções com elevada viscosidade; possui forte interação sinérgica com a carragena tipo kappa e com a goma xantana. A busca por novas combinações sinérgicas continua e está se tornando cada vez mais frutífera, assim como a compreensão das interações e do comportamento das misturas de hidrocolóides a nível molecular. Novos procedimentos de processamento estão sendo introduzidos, e uma área de particular interesse está na formação de géis que ofereçam novas características reológicas.
Como discutido acima, embora os hidrocolóides tenham historicamente sido usado em alimentos para controlar as propriedades reológicas e de textura, cada vez mais os consumidores estão conhecendo seus benefícios nutricionais. Muitos hidrocolóides, como por exemplo, a goma alfarroba, a goma guar, a konjac manana, a goma arábica, a goma xantana, e a pectina, têm demonstrado reduzir os níveis de colesterol no sangue. Outros, como a inulina e a goma arábica têm demonstrado efeitos prebióticos.São resistentes às enzimas digestivas do organismo e passam pelo estômago e pelo intestino delgado sem serem metabolizados. São fermentados no intestino grosso para produzirem ácidos graxos de cadeia curta e estimular o crescimento específico de bactérias intestinais benéficas, nomeadamente, as bifidobactérias, e reduzir o crescimento de microrganismos nocivos, como os clostridios.
Enfim, o mercado de hidrocolóides é muito dinâmico e apresenta excelentes perspectivas de crescimento.