Introdução
Devido ao crescente interesse do consumidor em alimentos funcionais e às novas legislações que estão entrando em vigor no Brasil para rotulagem de alimentos, as fibras alimentares tornaram-se assunto de grande relevância para a comunidade científica e a indústria de alimentos.
O grupo de pesquisa do CERES/UFSC, tem acompanhado constantemente a evolução dos métodos de análise de fibras em alimentos, através de suas atividades de pesquisa e extensão.
As análises de Fibras Alimentares realizadas no CERES utilizam-se dos métodos enzimáticos-gravimétricos da Association of Official Analytical Chemists (AOAC), desde 1997.
Este artigo, apresenta um resumo do que são as fibras alimentares funcionais, dando ênfase principalmente às fibras solúveis beta-glucanas, pelos benefícios que trazem à saúde.
Definição e caracterização das fibras alimentares
No Brasil, a Portaria nº 41, de 14/01/1998, da Secretaria da Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, define fibras alimentares como “Qualquer material comestível de origem vegetal que não seja hidrolisado pelas enzimas endógenas do trato digestivo humano, determinado segundo o método 985.29 da AOAC 15ª ed 1990 (método enzimático-gravimétrico), ou edição mais atual”.
As fibras alimentares são carboidratos não amiláceos que podem ser quantificados como fibras totais, resultantes da soma das fibras alimentares solúveis e das fibras alimentares insolúveis.
Fibras funcionais: beta-glucanas
A classificação das fibras alimentares em solúveis e insolúveis em água, é muito útil para o entendimento das suas propriedades fisiológicas. Fibras solúveis são as que têm efeitos funcionais, principalmente sobre a absorção de glicose e lipídios no intestino delgado e são facilmente fermentadas por bactérias no cólon, e fibras insolúveis são aquelas que só têm efeitos mais pronunciados sobre as funções intestinais.
Entre as fibras solúveis mais importantes estão as beta-glucanas. Estas apresentam estrutura linear, compostas por unidades de glicose (β-D-glicopiranosil) unidas por ligações (1-3) (1-4) β-D dos cereais, principalmente da aveia e cevada. Nestes cereais, a presença das beta-glucanas se dá em maior concentração nas paredes celulares da camada de aleurona, subaleurona e do endosperma amiláceo.
FIGURA 1 - MICROGRAFIAS DE FLUORESCÊNCIA. GRÃOS DE CEVADA (A) E GRÃOS DE AVEIA (B) CORADOS COM CALCOFLUOR PARA VISUALIZAR AS PAREDES CELULARES COM ALTO TEOR DE β-GLUCANAS
A
Fonte: Fulcher, R. G.; Irving, D. W; De Francisco, A. 1989.
Benefícios fisiológicos das beta-glucanas
O consumo de b-glucanas resulta em diversos benefícios fisiológicos, dentre os quais os mais relevantes são a redução do colesterol sérico e a redução da glicose sanguínea. A Food and Drug Administration, Agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos da América (FDA/USA), autorizou a rotulagem de produtos à base de aveia com as seguintes informações: “Dietas ricas em aveia ou farelo de aveia e pobres em gordura saturada e colesterol podem reduzir o risco de doenças coronárias”. Este passo foi o resultado de uma extensa revisão de mais de 37 estudos clínicos sobre os efeitos de aveia e farelo de aveia na redução do colesterol sérico e na consequente diminuição dos riscos de doenças coronárias (FDA, 1997).
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Brasil (ANVISA), autorizou, no mês de dezembro de 2000, a rotulagem de produtos à base de aveia no país, com mensagens alusivas à sua propriedade funcional: "A aveia ajuda a reduzir o colesterol" e "O consumo diário de
Recentemente, a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) reiterou os benefícios das beta-glucanas de aveia e cevada afirmando que "O uso de beta-glucanas de aveia ou cevada, como parte de um alimento, contribui para a redução dos níveis de glicose no sangue após o consumo". Em 2009, a EFSA adotou uma declaração mais geral de alegações de saúde em relação ao beta-glucanas, afirmando que "beta-glucanas ajudam a manter níveis normais de colesterol sanguíneo". Aplica-se aos alimentos que contêm, pelo menos, 1 g de beta-glucanas de aveia, cevada, e/ou farelo dos mesmos grãos, ou misturas deles, com uma ingestão diária de 3 g diárias de beta-glucanas. (Motilva et al, 2014)
O mecanismo de atuação das beta-glucanas ainda não está bem elucidado. Acredita-se que a viscosidade das beta-glucanas é a base da capacidade do farelo de aveia de reduzir o colesterol sanguíneo, seja retardando a entrada do nutriente no intestino delgado ou alterando a motilidade intestinal, com aumento da espessura da camada de água, o que impede a difusão do nutriente. Na presença das fibras solúveis, os ácidos biliares ficam isolados, por efeito da viscosidade, ou pela ligação direta com as fibras. Assim, aumenta-se sua excreção e impede-se sua reabsorção. Outro possível mecanismo de ação é a fermentação das beta-glucanas no intestino grosso, resultando em ácidos graxos de cadeia curta: ácidos acético, propiônico e butírico, que podem inibir a síntese de colesterol em tecidos periféricos, e pode ainda alterar a síntese hepática de colesterol.
Em um estudo clínico realizado pelo CERES/UFSC, avaliou-se o perfil lipídico de 20 homens e 20 mulheres (entre 52 e 81 anos de idade) hipercolesterolêmicos, que depois do consumo de 30 g de farelo aveia/dia com 2,4 ou 3 g de beta-glucanas/porção tiveram uma redução de peso e de colesterol, principalmente aqueles que consumiram a maior concentração de beta-glucanas. (García, L et al, 2002).
FIGURA 2 -(A) PERDA DE PESO CORPORAL E (B) DIMINUIÇÃO DE COLESTEROL TOTAL EM HOMENS E MULHERES APÓS CONSUMO DE 30G DE FARELO AVEIA/DIA, COM 3,0 (GRUPO 1) OU 2,4 (GRUPO 2) G/b-GLUCANAS/PORÇÃO POR SESSENTA DIAS
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Análises laboratoriais de beta-glucanas
Os métodos para detecção de beta-glucanas incluem análises colorimétricas e análises enzimáticas. A análise colorimétrica baseia-se, na afinidade das beta-glucanas pelo fluorocromo calcofluor e utiliza injeção de fluxo (FIA). Este é o método oficial da Convenção Européia de Cervejeiros (Munck et al, 1989). O método oficial adotado pela AOAC é o 995.16, baseado em análises enzimáticas que utilizam liquenase + b-glucosidade e gravimetria (Mccleary, B. V.; Glennie-Holmes, M, 1985).
Em trabalho recente, Moltilva et al, 2014, adaptaram o método enzimático para analisar amostras com um grande espectro de teor de beta-glucanas, de 0,27% a 75%, usando microplacas. A vantagem das microplacas é que podem analisar teores de beta-glucanas muito variados em muito curto espaço de tempo. O método atual analisa cada amostra em 2-3 minutos. Com as microplacas podem-se analisar 96 amostras ao mesmo tempo.
Por seus benefícios à saúde, as beta-glucanas continuam sendo pesquisadas e a sua aplicação em diversas matrizes alimentares continua a ser expandida.
* Sandra Milena Vásquez Mejía e Raceli Sandrin - Laboratório de Ciência e Tecnologia de Cereais, do Departamento de Ciência e Tecnologia dos Alimentos, da Universidade Federal de Santa Catarina (CERES/UFSC, Florianópolis, SC).
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