Os carotenóides são um grande grupo de pigmentos presentes na natureza, com mais de 600 estruturas caracterizadas, identificados em organismos fotossintetizantes e não fotossintetizantes, plantas superiores, algas, fungos, bactérias e em alguns animais. Utilizados comercialmente como corantes alimentícios e em suplementos nutricionais, os carotenóides desempenham alguns papéis fundamentais na saúde humana.
Introdução
Os carotenóides são tetraterpenóides de 40 carbonos unidos por unidades opostas no centro da molécula. Ciclização, hidrogenação, desidrogenação, migração de duplas ligações, encurtamento ou alongamento da cadeia, rearranjo, isomerização, introdução de funções com oxigênio ou a combinação destes processos resultam na diversidade de estruturas dos carotenóides.
A cadeia poliênica pode ter de 3 a 15 duplas ligações conjugadas e o comprimento do cromóforo determina o espectro de absorção e a cor da molécula. Todas são baseadas em sete diferentes grupos terminais, dos quais somente quatro (β, ε,κ e ψsão encontradas em carotenóides de vegetais superiores.
Carotenóides compostos somente de carbono e hidrogênio são chamados de carotenos e os carotenóides oxidados, as xantofilas, apresentam grupos substituintes com oxigênio, como hidroxilas, grupos ceto e epóxi.
Estudos epidemiológicos têm consistentemente indicado que o consumo de frutas e vegetais é inversamente relacionado à incidência de doenças, especialmente câncer. A correlação também é válida para os carotenóides, mas não está claro se se trata apenas de um marcador para o consumo de vegetais e frutas, já que a maioria dos carotenóides é derivada desses alimentos.
Os mamíferos, incluindo os seres humanos, não têm a capacidade de sintetizar nenhum dos carotenóides. Embora se sabe que algumas bactérias possam sintetizar carotenóides, a microflora da maioria dos animais (com exceção dos ruminantes) ocorre na parte distal do trato digestivo, onde a absorção dos carotenóides é quase inexistente. Todos os carotenóides encontrados nos tecidos de mamíferos são, portanto, derivados de fontes dietéticas.
Quase todos os carotenóides são derivados de tetraterpenos (C40) com o esqueleto hidrocarbônico consistindo em oito unidades isoprenóides. Na natureza, os carotenóides surgem a partir da reação de acoplamento "cauda-cauda" do análogo C20 do pirofosfato de farnesila, levando inicialmente à formação do fitoeno; este por sua vez, através de reações de desidrogenação, ciclização e oxidação, dará origem a uma variedade de pigmentos C40, como por exemplo, os abundantes α-caroteno e licopeno. Esta classe de pigmentos também inclui certos compostos formados pelo rearranjo deste esqueleto, ou pela remoção formal de parte desta estrutura. Carotenóides formados somente por átomos de carbono e hidrogênio são chamados de carotenos, enquanto os derivados contendo um heteroátomo, como por exemplo oxigênio, são chamados de xantofilas.
Os carotenóides podem ser lineares (licopeno), ou ter sofrido fechamento do anel em uma extremidade (γ-caroteno, citranaxantina) ou em ambas as extremidades (β-caroteno, β-criptoxantina, luteína). Sempre que as estruturas do anel terminal estão presentes, podem gerar grupos [OH] ou [O] dando origem ao hidróxi e ceto carotenóides, respectivamente (veja Figura 1).
FIGURA 1 - ESTRUTURA DE UM CAROTENÓIDE COMUM
Nos alimentos consumidos por humanos, centenas de carotenóides foram identificados, mas apenas alguns são ingeridos em quantidades significativas (mg). Estes são principalmente provenientes de alimentos de origem vegetal, embora os alimentos de origem animal, especialmente leite, ovos, queijo, fígado, rins, gordura e alimentos processados, aos quais foram adicionados carotenóides por motivos estéticos, também podem trazer algum contribuição.
Principais carotenóides na dieta
Os carotenóides são amplamente encontrados em diversas frutas, legumes e verduras, com biodisponibilidades diferentes. Essa biodisponibilidade é afetada pelas características do próprio alimento e da sua matriz; pelo binômio tempo: temperatura; pelo tipo de calor empregado no processamento do alimento; e pela veiculação de potencializadores absortivos dos carotenóides (veja Tabela 1).
TABELA 1 - DETERMINANTES DA BIODISPONIBILIDADE DOS CAROTENÓIDES NA ALIMENTAÇÃO: ( VEJA NO PDF ABAIXO ).
Outros fatores menos diretamente associados ao preparo do alimento, também afetam a biodisponibilidade dos carotenóides, como o tipo de carotenóide (os carotenos são relativamente menos biodisponíveis que as xantofilas); a interação com outros carotenóides, interações que podem ocorrer durante os processos de absorção, metabolismo e/ou transporte dos carotenóides, por meio de inibições e estímulos enzimáticos, ou competições absortivas; o avanço da idade, especialmente quando associado à gastrite atrófica; a presença de infecção parasitária, embora esse efeito ainda não tenha sido claramente demonstrado; e o estado nutricional, também ainda não muito elucidado.
Os principais carotenóides encontrados na dieta são o β-caroteno, o α-caroteno, a luteína, β-criptoxantina, a zeaxantina, e o licopeno.
β-caroteno (C40H56, peso molecular 536,9 g/mol). Uma das mais abundantes formas de carotenóides nos alimentos; é derivada das folhas verdes, onde funciona como um meio de transferência de fotoenergia e como fotoprotetor. Cenouras e óleo de palma vermelho (não refinado) são fontes importantes. Pêssegos, damascos, manga e mamão são as principais fontes nas frutas; as batatas doces (Ipomoea batatas) de polpa amarela/laranja, abóbora (Curcubitaceae) e mandioca (Manihot esculenta) são as principais fontes em algumas dietas. A maioria dos cereais mais importantes do mundo apresenta muito pouco teor de β-caroteno, mas pequenas quantidades estão presentes no milho (Zea mays). O consumo diário pode variar entre 0 e 15mg/dia, dependendo da quantidade e origem dos alimentos vegetais consumidos.
α-caroteno (C40H56, peso molecular 536,9 g/mol). É normalmente encontrado nas mesmas fontes que o β-caroteno, apresentando até 40% do conteúdo total de carotenóides.
Luteína (C40H56O2, peso molecular 568,9 g/mol). As principais fontes na dieta humana são vegetais de folhas verdes. Legumes consumidos imaturos (ervilhas), frutos verdes (pimentão verde), e gema de ovo também são boas fontes. Trata-se de um diidroxi carotenóide e a presença dos grupos polares altera as suas propriedades, de modo que é facilmente separado dos carotenóides hidrocarbonetos. Embora presentes nas folhas na forma livre, é normalmente na forma de ésteres de acila (palmitato) que ocorre em frutos e flores.
β-criptoxantina (C40H56O, peso molecular 552,9 g/mol). Frutas cítricas e milho são as principais fontes deste carotenóide monohidroxi na dieta humana.
Zeaxantina (C40H56O2, peso molecular 568,9 g/mol).. Este diidroxi carotenóide é derivado principalmente do milho (Zea mays), como seu nome sugere, embora sejam encontrados traços em muitos alimentos. É cromatograficamente difícil de separar de seu isômero, a luteína.
Licopeno (C40H56, peso molecular 536,9 g/mol). O tomate é a principal fonte alimentícia deste carotenóide, embora também seja encontrado na melancia e na toranja rosa.
Outros alimentos, como o salmão e crustáceos, contêm astaxantina e cantaxantina, bem como pequenas quantidades de outros carotenóides; os frutos vermelhos maduros de Capsicum spp contêm capsantina.
Embora, normalmente, uma fruta ou legume em particular possa conter uma quantidade dominante de um carotenóide específico, a seleção dos cultivares pode influenciar tanto a quantidade total como a relativa concentração de carotenóides. Por esse motivo, os dados de consumo a partir de estudos nutricionais devem ser tratados com cautela. Deve também ser notado que em todos os alimentos de origem vegetal que contem carotenóides, também haverá alguns metabólitos intermediários, como o fitoene, e pequenas quantidades de outros carotenóides menores.
As ligações duplas conjugadas da molécula dos carotenóides, essenciais à sua função na planta, a torna suscetível a degradação oxidativa. Em geral, o carotenóide dentro da estrutura dos alimentos é relativamente estável, mas uma vez que a estrutura é quebrada e os carotenóides expostos ao calor, luz, oxigênio, peróxidos, metais de transição, e lipoxigenases, a estrutura é rapidamente degradada, levando à perda de cor (branqueamento) e função biológica.
Absorção dos carotenóides
Como os carotenóides são hidrofóbicos, não são solúveis no ambiente aquoso do trato gastrointestinal. Precisam ser dissolvidos/transportados em lipídios e sistemas de lipídios com sais biliares para serem absorvidos na borda em escova do enterócito. Essa transferência de massa do alimento em massa aquosa para estruturas lipídicas é um processo complexo, o qual é dificultado pela presença da estrutura alimentar, como também depende da presença dos carotenóides nos cloroplastos como complexos lipoprotéicos, ou se é cristalino em cromoplastos, como no caso de cenoura e tomate. A absorção parece ser assistida pela presença de lipídios da dieta e enzimas digestivas, em particular, a presença de lipases. As lipases produzem ácidos graxos livres que são incorporados às micelas mistas (sais biliares, lecitina, acil gliceróis, ácidos graxos livres, e componentes lipofílicos menores). O processamento de alimentos contendo carotenóides na presença de gorduras melhora a disponibilidade dos carotenóides para a absorção, em parte porque os carotenóides têm assim a oportunidade de transferir-se para a fase lipídica antes da ingestão.
Os carotenóides são absorvidos passivamente no enterócito, da fase micelar da digestão. No entanto, não se sabe se todos os carotenóides presentes em uma micela mista são absorvidos, ou se algum (talvez seletivamente) é deixado para trás, em associação com sais biliares não absorvidos e colesterol, sendo então excretado. A concorrência entre os carotenóides para a absorção tem sido notada, como o β-caroteno suprimindo a absorção de luteína. No entanto, estudos mais recentes de absorção de β-caroteno e luteína provenientes de espinafre cozido não mostraram esse efeito.
Fatores que podem aumentar a espessura da camada de água não agitada na superfície do intestino, como por exemplo, as fibras alimentares solúveis, agem como uma barreira para a absorção das gorduras da dieta e pode, portanto, também limitar a quantidade, ou reduzir a taxa de absorção de carotenóides. Estados patológicos que comprometem a absorção de lipídios, como por exemplo, fibrose cística, doença celíaca, deficiência de vitamina A, e parasitas intestinais, também prejudicam a absorção de carotenóides e resultam em baixos níveis plasmáticos de carotenóides, embora, em alguns casos, um estado de inflamação persistente possa ser um fator significativo na redução dos níveis plasmáticos de carotenóides. A ingestão de alimentos com poliésteres de sacarose (substitutos de gordura), como o Olestra, também pode reduzir a absorção de carotenóides. Estudos com Olestra, em níveis susceptíveis de serem consumidos em uma dieta normal, mostraram redução na concentração plasmática de β-caroteno (20% a 34%), de licopeno (38% a 52%), e de vitamina E.
Estimativas da absorção de carotenóides provenientes de alimentos e como compostos isolados variam de alguns pontos percentuais até 95%, dependendo do estudo, do modelo utilizado, e dos pressupostos assumidos no cálculo da absorção (veja Tabela 2).
TABELA 2 - TABELA DE ABSORÇÃO
Carotenóides Absorção %Fonte (VEJA NO PDF ABAIXO).
(a) Balanço de massa fecal.
(b) Balanço de massa em voluntários de ileostomia
(c) Balanço de massa de lavagem gastrointestinal
(d) Calculados a partir de fração do plasma rica em triacilgliceróis de carotenóides e hipotética cinética de depuração
(e) Modelo compartimental baseado em concentração plasmática
(f) Com base na recuperação de radioatividade do duto torácico
(*) Central assumida (11%) ou clivagem ecocêntrica (17%)
Os carotenóides e a prevenção de doenças
Os carotenóides parecem desempenhar alguns papéis fundamentais na saúde humana, sendo essenciais para a visão. Apesar de muitas hipóteses comprovadas, suas funções não estão completamente elucidadas in vivo. O β-caroteno e outros carotenóides foram reconhecidos no século XX como as principais fontes de vitamina A. Mais recentemente, efeitos benéficos de carotenóides contra cânceres, doenças de coração e degeneração macular foram reconhecidos e estimularam intensas pesquisas sobre o papel desses compostos como antioxidantes e como reguladores da resposta do sistema imune.
O licopeno, caroteno presente em produtos de tomate, previne oxidação do LDL e reduz o risco do desenvolvimento de arteriosclerose e doenças coronárias. Estudos mostram que o consumo diário de produtos à base de tomate proporciona quantidades suficientes de licopeno para redução substancial da oxidação do LDL. Relata-se ainda que a absorção do licopeno advindo de produtos processados de tomate é mais eficiente do que a absorção do composto no produto in natura, pois durante o processamento térmico, o licopeno ligado quimicamente a outros compostos é convertido em uma forma livre e mais facilmente absorvível. Outras pesquisas sugerem que o licopeno pode reduzir o risco de câncer de próstata, pulmão, pele e bexiga.
Evidências epidemiológicas sugerem que a ingestão de β-caroteno pode inibir determinados tipos de câncer e doenças mediadas por radicais livres. A capacidade dos carotenóides como agente quelante do oxigênio singlete molecular é bem conhecida. Assim como a prevenção do câncer, o potencial antioxidante dos carotenóides pode ser útil na inibição de outras doenças provocadas pela ação dos radicais livres.
O oxigênio singlete pode ser formado pela transferência de energia eletrônica de um composto em um estado excitado para o oxigênio triplete. Em sistemas biológicos, moléculas como porfirinas, clorofilas e riboflavina podem levar à formação de 1O2, acarretando efeitos deletérios como alteração do DNA e peroxidação de lipídios (veja Figura 2).
FIGURA 2 - AÇÃO DE UM CAROTENÓIDE NA PRESENÇA DE 1O2. ( VEJA NO PDF ABAIXO ).
Uma vez formado, o carotenóide no estado excitado pode facilmente retornar ao estado fundamental, dissipando energia na forma de calor. Estudos sobre o tema revelam que a capacidade de um determinado carotenóide em quelar o 1O2 está relacionada com o número de duplas ligações conjugadas e aos grupos ligados às extremidades da cadeia.
As reações dos carotenóides com radicais livres levam à transferência de elétrons ou possíveis reações adicionais (veja Figura 3).
FIGURA 3 - AÇÃO DE UM CAROTENÓIDE FRENTE A UM RADICAL LIVRE. ( VEJA NO PDF ABAIXO).
A reação do carotenóide em estado excitado com uma molécula de oxigênio pode levar à formação de um peróxido, como mostrado na Figura 4.
FIGURA 4 - FORMAÇÃO E PERÓXIDO A PARTIR DE UM CAROTENÓIDE NA PRESENÇA DE O2: (VEJA NO PDF ABAIXO)
O β-caroteno pode agir como um pró-oxidante em altas pressões de oxigênio e altas concentrações do carotenóide.
Uma vez que os carotenóides em sistemas biológicos estarão sempre associados com outros sistemas de óxido-redução, a interação com outros antioxidantes poderá gerar efeitos sinergísticos. Sabe-se que a estrutura dos carotenóides exerce grande influência sobre a atividade antioxidante. Por exemplo, a cataxantina e a astaxantina apresentam melhores atividades antioxidantes do que o β-caroteno ou a zeaxantina. A atividade antioxidante aumenta com o aumento do número de duplas ligações conjugadas, grupos cetona e presença de anéis ciclopentano em sua estrutura.
Os carotenóides possuem efeito destacável na resposta imune e na comunicação intracelular e apresentam efeitos benéficos contra doenças relacionadas ao envelhecimento. Além disso, há indícios de que os carotenóides em associação com outros componentes de frutas e vegetais apresentam efeito protetor contra algumas doenças crônicas. Por exemplo, o efeito sinergístico entre β-caroteno e vitaminas C e E foi observado na proteção celular, provavelmente decorrente da capacidade do β-caroteno em destruir os radicais livres e reparar os radicais de tocoferol produzidos pela ação do α-tocoferol.
Os carotenóides são conhecidos por serem precursores de vitamina A, sendo que essa conversão ocorre naturalmente no fígado. A simetria da molécula de β-caroteno sugere que a clivagem ocorre na posição central da molécula, produzindo duas moléculas de vitamina A. Entretanto, essa teoria não está bem estabelecida até o momento. Tentativas recentes de entender esse mecanismo são especulativas, uma vez que a clivagem ocorre in vivo, tornando as condições de reação muito difíceis de serem controladas. Apesar da clivagem central do ?-caroteno pela enzima 15,15'-dioxigenase estar provada in vivo e in vitro, o ataque iniciando a partir da posição 8' também encontra subsídios consideráveis. Alguns pesquisadores sugerem que ambos os mecanismos (posição 15' ou 8') são possíveis. Existem muitos relatos propostos acerca das etapas envolvidas na clivagem, mas nenhum deles oferece evidências convincentes de possíveis rotas metabólicas ou intermediários envolvidos nessa reação enzimática.
Os carotenóides e o câncer
Existem, aproximadamente, 600 carotenóides encontrados na natureza, os quais são constituídos por dois grandes grupos, denominados carotenos, que consistem em hidrocarbonetos puros; e xantofilas, hidrocarbonetos que possuem grupos funcionais oxigenados. Desses, 40 podem ser encontrados nos alimentos e, como resultado de uma absorção seletiva do trato gastrintestinal, apenas 14 carotenóides são biodisponíveis, biodisponibilidade que se apresenta de forma quase ilimitada.
Entre esses se encontram o β-caroteno, o α-caroteno, a luteína, a zeaxantina e o licopeno, que são os mais conhecidos; existem também a β-criptoxantina, a fucoxantina, a astaxantina, a crocetina, a capsantina e o fitoeno, carotenóides muito promissores no que se refere à proteção contra o câncer, mas ainda pouco estudados e, portanto, escassamente descritos.
Como precedente essencial à análise do efeito dos carotenóides sobre o desenvolvimento do câncer, é preciso conhecer alguns biomarcadores que se encontram relacionados tanto à expressão das respostas quanto aos efeitos estudados. O estresse oxidativo representa uma dessas respostas, e é caracterizado por uma intensa sobrecarga de radicais livres, que pode ser extremamente lesiva às estruturas celulares, com conseqüências tumorogênicas. A lesão oxidativa de material genético, também possui estreita relação com a tumorigênese, e pode ser utilizada como indicador do efeito dos carotenóides sobre o desenvolvimento do câncer.
Entre os biomarcadores mais comumente utilizados pelos estudos experimentais estão o malondialdeído, a taxa de oxidação da lipoproteína de baixa densidade (low density lipoprotein - LDL), a 8-epiprostaglandina F2a (8-EPG) urinária, e os anticorpos séricos para LDL oxidado (Ab-oxLDL), como indicadores do estresse oxidativo (este último um indicador inverso), e a 8-hidroxi-2'-deoxiguanosina (8-OHdG) e o número de quebras da fita do ácido desoxirribonucléico (DNA) linfocítico, como indicadores de lesão de material genético. Dessa forma, um maior número de quebras de fita do DNA linfocítico ou uma taxa de oxidação da LDL mais elevada, por exemplo, configuram uma situação desfavorável à proteção contra o desenvolvimento do câncer.
Um estudo alimentar randomizado controlado foi realizado com 103 adultos saudáveis com idades superiores a 21 anos de idade, os quais eram aleatoriamente alocados em diferentes grupos. Ao grupo controle, foi ofertado uma dieta típica dos Estados Unidos; o outro grupo recebeu a dieta denominada Dietary Approaches to Stop Hypertension (DASH), a qual era rica em frutas, legumes e verduras e em laticínios, com reduzidas quantidades de gordura; incluía cereais integrais, aves, peixes e frutos oleaginosos; e era reduzida em carne vermelha, doces, bebidas contendo açúcar, gordura saturada, gordura total e colesterol. Os participantes concordaram em comer apenas o que lhes fosse oferecido e nada mais, por um período de três meses. O estudo demonstrou que o consumo da dieta DASH reduziu o estresse oxidativo e resultou em um aumento da concentração sérica de antioxidantes e de Ab-oxLDL.
Comparando grupos com média de consumo de 3,6 porções contra 12,1 porções de frutas, legumes e verduras, um outro estudo demonstrou que dietas ricas em frutas, legumes e verduras (>10 porções) exerceram atividade antioxidante in vivo, por meio da redução significativa (p<0,01) em 16,5% de produtos da oxidação do DNA, a 8-OHdG, após duas semanas de intervenção. No grupo de baixo consumo desses alimentos, essa redução foi, praticamente, ausente (0,5%; p=0,77). A 8-EPG urinária também foi estudada como desfecho, e uma redução superior foi experimentada pelo grupo que consumiu mais frutas, legumes e verduras: 30,7% (p<0,01) contra 10,9% (p=0,09). Adicionalmente, indivíduos que apresentaram os maiores incrementos em carotenóide sérico também experimentaram as maiores reduções em marcadores de lesão oxidativa.
Um estudo experimental com seres humanos, não-fumantes, com idades entre 27 a 40 anos, observaram que frutas, legumes e verduras, como o espinafre, a cenoura e o tomate, possuem efeito protetor contra o câncer, exercido pelos carotenóides por meio da redução de lesões ao DNA, identificadas, tanto pela redução da oxidação das bases pirimidínicas do DNA, quanto pelo menor número de quebras de fitas do DNA linfocítico; esse efeito também pôde ser evidenciado em um ouro estudo, por meio da suplementação com purê de tomate. Observações como essas sugerem que dietas com altas concentrações de licopeno podem diminuir o risco de doenças crônicas por meio da redução da lesão oxidativa ao DNA. Além disso, a maior concentração de licopeno sérico e a suplementação de β-caroteno também estão associadas à maior velocidade de reparo de danos do DNA.
Uma análise do consumo de frutas, legumes e verduras entre mulheres e os índices de lesão oxidativa do DNA e a peroxidação lipídica, identificaram uma correlação negativa entre essas variáveis, indicada pela redução dos níveis orgânicos de 8-OHdG e 8-EPG entre as blocagens com elevado consumo de frutas, legumes e verduras.
Controvérsias no campo de pesquisas da associação entre o consumo de frutas, legumes e verduras e a maior proteção contra o desenvolvimento de câncer são inexpressivas. A literatura revela que a consensualidade tem prevalecido e tem sido sustentada por conclusões bastante convergentes, as quais, inclusive, têm justificado e subsidiado uma série de estratégias e movimentos, em todo o mundo, voltados ao estímulo do consumo de frutas, legumes e verduras.
β-caroteno . Inicialmente, existia dúvida sobre o poder quimiopreventivo do β-caroteno, se este estaria, realmente, associado ao &beta-caroteno exclusivamente, ou se deveria ser atribuído à sua conversão em vitamina A que, por sua vez, promoveria a ação. Posteriormente, os estudos revelaram que o β-caroteno não só possuía uma ação exclusiva, como esta era mais potente que a promovida pela vitamina A.
Contudo, quatro estudos experimentais, realizados em grandes populações, foram conduzidos e não apresentaram resultados significativos no que se refere à redução de risco de câncer relacionada à ingestão de suplementos de β-caroteno. Foram eles, o alpha-tocopherol beta-Carotene (ATBC) Cancer Prevention Study, o beta-Carotene and Retinol Efficiency Trial (CARET), o Physicians' Health Study (PHS), e o Skin Cancer Prevention Study (SCPS). Além disso, o tabagismo (mais de 20 cigarros por dia), a exposição ao asbesto e o consumo de álcool superior a 1g de etanol diário, indicaram um risco aumentado de desenvolvimento de câncer entre os que receberam o suplemento, de acordo com o ATBC e o CARET.
A pesquisa dos possíveis interferentes e implicações bioquímicas desses resultados, no entanto, conduz a ponderações sobre essas conclusões. Para tanto, se faz necessário conhecer a dinâmica de atuação do β-caroteno como composto quimiopreventivo, para que sejam eliminadas possibilidades de interferências bioquímicas. As avaliações de causa/efeito identificadas por um estudo experimental, não podem ser privadas da pesquisa da plausibilidade biológica do efeito.
A pressão de oxigênio (pO2) nos tecidos é um dos interferentes da atuação antioxidante do ?-caroteno. Inicialmente foi atribuída ao β-caroteno uma atividade pró-oxidante, ou seja, de promoção da oxidação, ao invés de proteção contra essa oxidação, quando esse atuava em tecidos sob tensões de oxigênio muito elevadas, entretanto, pesquisas posteriores, mais detalhadas, observaram que ocorre apenas um decréscimo da ação antioxidante, pelo processo de auto-oxidação do β-caroteno. A partir dessas observações, inclusive, pôde ser concluído que seria importante, nesses casos, utilizar a vitamina E em associação, uma vez que essa atua eficazmente em tecidos sob altas tensões de oxigênio.
A concentração de β-caroteno também influencia sua ação antioxidante, de modo que concentrações que superam os 4 a 5 µM prejudicam sua habilidade protetora e/ou a revertem em pró-oxidativa, neste último caso podendo, inclusive, promover uma lesão de material genético. A demonstração desse efeito reverso por diversos estudos, indica que suplementações com altas doses de micronutrientes devem ser atentamente acompanhadas pelos estudos, como em qualquer intervenção farmacológica.
Por outro lado, sob condições fisiológicas de pO2 e adequadas concentrações plasmáticas (1 a 4-5 µM), o β-caroteno é capaz de prevenir danos celulares; diminuir os níveis de espécies de oxigênio reativas no meio intracelular, reduzindo os riscos de lesão de material genético; e promover ação antioxidante em células pulmonares expostas a nitrosaminas específicas do tabaco.
As possíveis interveniências e interações ocorridas nos experimentos anteriormente citados, tornam-se mais claras após estudos mais detalhados sobre o efeito do β-caroteno. Essas pesquisas permitem, inclusive, conduzir a um questionamento dos resultados de alguns desses estudos.
O estudo ATBC, por exemplo, apesar de fornecer uma suplementação (20mg por dia) que, a princípio, não implicaria em concentrações plasmáticas com conseqüência tecidual pró-oxidante - se a ingestão total, incluindo a proveniente da alimentação e suplementação, fosse restrita a 20-25mg por dia - encontrou níveis plasmáticos mediano e máximo, entre a população estudada, iguais a 5,59 e 8,38 µM, respectivamente. Esses valores superam o limite de 4-5 µM; indicam que a maior parte da população ultrapassou a faixa de ingestão de 20-25mg; e que a partir dos quais, o β-caroteno passaria a atuar como pró-oxidante, levando a desfechos, como o encontrado. Esses resultados demonstram uma ausência de proteção e até um risco aumentado de desenvolvimento de câncer, nesse caso de pulmão, entre fumantes. Isso ocorreu porque a ingestão de β-caroteno foi controlada apenas pela suplementação e a ingestão adicional, por meio da alimentação, foi desconsiderada; houve, portanto, super dosagem, comprometendo a atuação do β-caroteno e, conseqüentemente, interferindo sobre os efeitos da causalidade investigada. Outra explicação para o efeito reverso observado nesses estudos envolve a competição pela absorção com outros micronutrientes lipossolúveis, em situações em que o β-caroteno se encontra em altas concentrações. É importante observar a curva de distribuição da população estudada, separando o efeito interveniente que se concentra entre os indivíduos que apresentaram níveis elevados (>4-5 µM) de ?-caroteno sérico.
Explicações para os referidos efeitos adversos da suplementação do β-caroteno revelam resultados epidemiológicos inconsistentes, experimentos limitados e pesquisas nutricionais insuficientes.
Efeitos reversos resultam de níveis de ingestão de β-caroteno que são impraticáveis por meio da alimentação, exclusivamente. Não há evidência que justifique a necessidade de supressão ou alerta sobre o consumo de alimentos ricos em β-caroteno, especialmente em países como o Brasil, que apresentam importantes carências micro nutricionais.
Alfa-Caroteno. A regulação da multiplicação celular deve estar extremamente afinada para que não haja o desencadeamento de uma desordenação desse processo, o que poderia resultar no desenvolvimento do câncer. No estágio conhecido como G1, define-se se o ciclo celular segue para uma nova mitose ou cessa. O gene TP53, também conhecido como o gene supressor da tumorigênese humana, tem um papel determinante nesse controle, pois é responsável pela expressão da proteína p53, que atua nesse estágio promovendo a cessação do ciclo de multiplicação celular, evitando que as células se reproduzam desordenadamente. Diversos polimorfismos que envolvem esse gene já foram identificados, e podem comprometer essa regulação. O α-caroteno é descrito como supressor da tumorigênese na pele, no pulmão, no fígado e no cólon - demonstrando, inclusive, uma atividade de supressão superior à promovida pelo β-caroteno -, e age promovendo a cessação do ciclo de multiplicação celular, de forma análoga à ação da proteína p53. Sua atuação pode ser identificada, tanto no estágio de iniciação quanto na promoção do câncer.
Experimentos em blocagem, conduzidos com ratos induzidos ao câncer de pele, identificaram que o grupo de animais que recebeu o suplemento de α-caroteno apresentou, em média, apenas 0,3 tumores por rato teste, o que representou uma diferença significante (p<0,01, teste "t" de Student), quando foram comparados ao grupo controle (3,7 tumores por rato), ao passo que o bloco que recebeu o suplemento de β-caroteno não apresentou variação significativa do número médio de tumores por rato (2,9) em relação ao controle. O mesmo experimento, conduzido com ratos que possuem alta incidência de tumores hepáticos espontâneos (Male C3H/He), identificou uma diferença ainda mais significante (p<0,001), apesar de menos relevante, apresentando uma média de 6,3 tumores por rato no grupo controle contra 3,0 no grupo que recebeu α-caroteno. O β-caroteno, novamente, apesar de ter reduzido o número de tumores, não superou o α-caroteno, e não apresentou uma diferença significante em comparação ao controle (4,7 tumores por rato).
O material genético e a regulação da multiplicação celular representam pontos de entrada cruciais para o desenvolvimento do câncer, logo, a possibilidade de interferir positivamente nesses pontos confere ao α-caroteno atribuições decisivas à proteção contra o desenvolvimento de diversos tipos de câncer, mesmo os que, a priori , estariam mais fortemente associados a fatores de risco de natureza não dietética, como o câncer de pele.
Luteína, Zeaxantina e outrso carotenóides. A luteína é formada por uma molécula de α-caroteno e dois radicais hidroxila, e, como os demais carotenóides, também pode ser encontrada em uma grande variedade de frutas, legumes e verduras, tais como, folhosos verdes escuros, abóbora, manga, mamão, pêssego, ameixa, laranja. A zeaxantina pode ser encontrada tanto nas frutas, legumes e verduras quanto no milho, e é constituída por uma molécula β-caroteno adicionada de duas hidroxilas.
Estudos demonstraram que ratos induzidos ao câncer de pele e suplementados com luteína tiveram uma incidência significantemente menor, quando comparados aos que não receberam o suplemento (p<0,05), e evidenciaram uma ação anticarcinogênica relacionada tanto à iniciação quanto à promoção.
Ainda são restritas as informações e pesquisas sobre a zeaxantina, no entanto, já foram descritas ações supressoras e antimetastáticas. Adicionalmente, a zeaxantina, assim como a luteína, exerce excelente atividade antioxidante, especialmente em meios lipossolúveis.
Outros carotenóides, como a β-criptoxantina, a fucoxantina, a crocetina, a capsantina e o fitoeno, têm sido pouco explorados, contudo, apontam para um potencial promissor, e merecem maiores investigações. Isso porque tem se tornado cada vez mais evidente que respostas de proteção não estão exclusivamente associadas a um único fator, mas à presença de múltiplos fatores atuando de forma articulada e/ou sinérgica, o que reforça a importância da variedade na composição das refeições, e expõe as limitações de proposições que valorizam, mais exclusiva e isoladamente, um ou outro componente específico da alimentação.
Licopeno. O licopeno é um carotenóide encontrado, predominantemente, no tomate e em seus produtos, mas também na melancia vermelha e na goiaba. É amplamente descrito como o mais potente dos carotenóides, no que se refere à ação antioxidante.
Estudos epidemiológicos retrospectivos e prospectivos têm apontado uma associação do consumo de tomate e seus produtos, ingestão de licopeno, e níveis de licopeno sérico com a redução do risco de câncer, principalmente de próstata e pulmão.
Pesquisas demonstraram, recentemente, que a ingestão de carotenóides do tomate melhora o sistema de defesa antioxidante dos linfócitos, reduzindo a lesão ao DNA.
Analisando duas coortes prospectivas em andamento nos Estado Unidos, uma durante 10 anos, composta por 51.529 homens com idades entre 40 e 75 anos a partir de 1986; e outra durante 12 anos, composta por 121.700 enfermeiras com idades entre 30 e 55 anos a partir de 1976, demonstraram que a ingestão de licopeno avaliada por um questionário de freqüência de consumo alimentar reduziu significativamente o risco de câncer de pulmão.
Experimentos de indução de câncer de pulmão de dois estágios em ratos apresentaram atividade antitumorogênica atribuída ao licopeno, evidenciada por uma diferença significante (p<0,05), entre a quantidade média de tumores por rato no grupo que recebeu o licopeno (1,4) e no grupo controle (3,1). O mesmo experimento direcionado à indução de câncer de fígado também indicou diferenças significantes (p<0,05) com o grupo controle apresentando, em média, 8,5 tumores por rato contra 2,1 do grupo suplementado. A repetição do mesmo desenho experimental utilizando ratos Male C3H/He identificou uma diferença ainda mais significante (p<0,005) e relevante para o câncer de fígado espontâneo, uma média de 7,7 tumores por rato entre o grupo controle contra 0,9 do grupo suplementado.
Estudos in vitro demonstraram que o licopeno inibe a proliferação de uma linhagem de células do câncer oral, denominadas KB-1 na fase G1. Em concentrações fisiológicas (7 µM) o licopeno inibiu, aproximadamente, 10% do número de células, e a 20 µM induziu linfoblastos-T à apoptose em 24 horas.
Verificações das possibilidades anticarcinogênicas do licopeno devem ser tratadas com muita cautela, especialmente quando são traduzidas à população como recomendação, visto que melhores resultados têm sido atribuídos à ingestão de produtos derivados do tomate, os quais, muitas vezes, contêm excessivas quantidades de sódio. Logo, recomendações que visam à garantia de um ambiente bioquímico celular mais protegido contra agentes cancerígenos, podem induzir à carcinogênese por outras vias; a partir, por exemplo, da agressão à mucosa gástrica provocada pelo excesso de sódio contido em molhos tipo ketchup.
Apesar dos diversos mecanismos de atuação demonstrados, a fundamental atribuição protetora conferida ao licopeno está associada ao seu destacado poder de reação com o oxigênio singlete. Portanto, a pesquisa do mecanismo de ação do licopeno e dos demais carotenóides na proteção contra o desenvolvimento do câncer, requer uma breve abordagem sobre espécies reativas de oxigênio (ERO).
ERO e carotenóides. ERO (Espécies Reativas de Oxigênio) é um termo coletivo utilizado para designar moléculas altamente reativas resultantes do metabolismo do oxigênio, incluindo radicais livres, como o ânion superóxido (O2-), os radicais hidroxila (OH), peroxila (RO2) e hidroperoxila (HRO2-), assim como espécies que não possuem radicais livres, mas que são agentes oxidantes e podem gerar radicais, como o peróxido de hidrogênio (H2O2) e o oxigênio singlete (1O2).
A reação em cadeia promovida por essas EROs acontece em três momentos: "iniciação", que é caracterizada pela formação da ERO (isto é, fotosensitização, derivações metabólicas do oxigênio), "propagação", que ocorre quando a ERO reage com um substrato, e "cessação", que é a interrupção da reação em cadeia.
As estruturas celulares do organismo humano são imprescindíveis ao ajustado funcionamento bioquímico celular e ao desenvolvimento de um ambiente celular e genético protegido, ao mesmo tempo, são repletas de potenciais substratos, vulneráveis às EROs. As proteínas, fosfolipídios, glicoproteínas, glicolipídios membranares são alguns dos potenciais alvos das EROs. Uma lesão da membrana, por sua vez, expõe mais estruturas intracelulares, deixando vulnerável, inclusive, o DNA, o que pode gerar mutações genéticas que desfavorecem a regulação do ciclo celular.
Dessa forma, a oportunidade de combate as EROs mais factível e efetiva e, conseqüentemente, a proteção contra lesões oxidativas celulares e genéticas que contribuem para o desenvolvimento do câncer, está na intervenção da reação-cessação, visto que as EROs são metabólitos fisiológicos do organismo humano inevitáveis.
Os carotenóides, guardando os devidos potenciais antioxidantes, impedem a propagação da reação, por conseguinte, promovem a cessação, servindo como substrato para as EROs ou produtos desencadeantes, provenientes de uma reação de uma ERO com um substrato, para que não sejam formados novos produtos desencadeantes que dariam continuidade à reação em cadeia.
Os carotenóides e a degeneração macular relacionada à idade
O olho é o único tecido humano onde foi demonstrado que existem proteínas específicas relacionadas aos carotenóides. A degeneração macular relacionada com a idade (DMRI) é uma das principais causas de cegueira irreversível em indivíduos saudáveis. A retina do olho contém duas xantofilas, luteína e zeaxantina em proporções iguais, embora a zeaxantina seja encontrada principalmente na região macular e a luteína em toda a retina. Sua função é a de fotoproteção, uma vez que pode extinguir o oxigênio singlete e inativar moléculas triplete, produzidas pela luz, reduzindo assim o estresse oxidativo das proteínas do olho.
Existe evidência de uma associação entre baixos níveis de luteína e zeaxantina no olho (densidade do pigmento macular) e risco de DMRI. O Dr. Richard A. Bone, professor no Department of Physics, da Florida International University, em Miami, FL e seus colaboradores estudaram as retinas de doadores e mediram a quantidade de luteína e zeaxantina. As menores concentrações de luteína e zeaxantina foram encontradas nas retinas de doadores com DMRI. Os pesquisadores reportaram uma associação inversa entre a DMRI e a densidade do pigmento macular. Foi demonstrado que a redução da densidade do pigmento macular nos doadores com DMRI estava associada com a baixa concentração de luteína e zeaxantina.
A densidade do pigmento macular é, em última análise, dependente da dieta ou ingestão diária de luteína e zeaxantina. Os estudos mostram que a maioria das pessoas apresenta um aumento da densidade do pigmento macular quando consomem grandes quantidades de luteína ou zeaxantina. Mais pesquisas ainda serão necessárias para elucidar porque algumas não apresentam essa reação.
O Dr. Tos Berendschot, PhD, da University Medical Center, em Utrecht, Holanda, estudou a influência da luteína sobre a pigmentação capilar. O pigmento macular pode proteger contra a degeneração macular senil. Este estudo foi conduzido para determinar a extensão de mudanças na densidade do pigmento macular como conseqüência de uma suplementação com luteína. A conclusão foi clara: uma suplementação com luteína aumentou significativamente a densidade da pigmentação capilar. Os resultados foram obtidos analisando os mapas de refletância com oftalmoscópio a laser.
O professor John T. Landrum, do Department of Chemistry, na Florida International University acompanhou dois pacientes que receberam um suplemento de 30mg/dia de luteína por 140 dias. A densidade de seus pigmentos maculares começou a aumentar após 20 dias. O aumento médio foi de 39 e 21%. A quantidade de radiação U.V. azul que chegava aos fotorreceptores foi reduzida em 30-40%.
Outro estudo, publicado na revista Optometry, em março de 2000, relatou que após 9 semanas de suplementação de luteína - 40mg/dia - seguidas de 20mg/dia, houve melhora na acuidade visual (em média 0,7dB) e na área visual média (0,35dB).
A ingestão diária de um suplemento contendo uma alta dose de luteína mostrou que após a interrupção dessa suplementação diária a densidade do pigmento macular continuou elevada durante meses após a concentração plasmática já ter voltado aos níveis originais. Ficou claro que o olho tem maior capacidade de acumulação e retenção de luteína e zeaxantina.
Dois estudos epidemiológicos examinaram a correlação que existe entre a ingestão de luteína e zeaxantina e o risco de DMRI. O EDCC (Eye Disease Case-Control Study) examinou 391 pacientes com DMNE e 578 controles. O primeiro relatório desse estudo encontrou que o risco de DMNE era significantemente mais baixo com o aumento da concentração em luteína e zeaxantina no soro sangüíneo. Em um segundo relatório, observou-se que as pessoas com maior ingestão de luteína e zeaxantina (5.757 mcg/dia) apresentavam um risco de DMNE significativamente mais baixo do que àquela do primeiro grupo (1.211 mcg/dia).
Estudos demonstram que uma pequena melhora é obtida quando existe uma suplementação alimentar com luteína - 2 a 4 mg diárias - e vitamina A 8. Alem destes, a vitamina C, vitamina E e zinco também protegem a retina da degeneração macular. A luteína está indicada como suplemento nutricional e preventivo das degenerações oculares, como degeneração macular e retiniana. Sua aplicação não só evita a formação de lipoperóxidos originários da degradação de lipoproteínas e seus derivados aldeídicos tóxicos, como a lipofuscina. Além disso, ela ajuda a proteger contra a incidência dos raios U.V. aos fotorreceptores, preservando e melhorando a acuidade visual, conforme ampla literatura científica. Recomenda-se de 30 a 40 mg/dia para degeneração macular. Pode-se começar com uma dosagem inicial de 6 mg/dia, aumentando aos poucos para um máximo de 40 mg/dia.
Finalmente, vale salientar que luteína e zeaxantina também contribuem para diminuir o risco de ter cataratas. A relação entre o consumo de antioxidantes e a incidência de catarata nuclear foi avaliado num estudo que envolve 1.354 adultos de 43 a 84 anos de idade, durante um período de 7 anos 1988-1995. A opacidade nuclear foi mensurada numa escala ordinal de 5 pontos, usando fotografias do cristalino. Um questionário sobre hábitos alimentares foi aplicado a todos os participantes. Durante o período, 246 indivíduos desenvolveram catarata nuclear em ao menos um dos olhos. O estudo constatou que pessoas que consumiram a maior quantidade de luteína apresentaram 50% menos chances de desenvolver catarata (índice de 95% de confiança).
Conclusão
A vinculação de informações ditas inovadoras deve ser conduzida com muito cuidado, visto que o crédito dado pela população a uma determinada informação, veículo ou fonte dessa informação, pode gerar mudanças de comportamento que, mais tarde, podem ser contestadas por uma investigação adequada. Além disso, uma orientação coletiva demanda responsabilidades extremas e pode acarretar outros problemas não considerados ou omitidos, às vezes até pela impossibilidade de investigação por falta de recursos.
A potencialização da biodisponibilidade dos carotenóides pela adição dos ácidos graxos aos alimentos é um exemplo, que, entre outras coisas, poderia causar um desequilíbrio na proporção de fonte energética e, possivelmente, um risco aumentado de câncer, revertendo o efeito para o qual foi indicado.
A principal inovação no campo da prevenção do câncer por meio da alimentação não está em um mágico alimento específico, ou em um carotenóide especial, em uma única fórmula ou suplemento; está na diversidade, na variedade, na descoberta e na comprovação dos mecanismos bioquímicos de atuação de compostos, como os carotenóides.
O Brasil possui um potencial agrícola sub-aproveitado e uma diversidade de cultivares e de espécies de frutas, legumes e verduras pouco ou inadequadamente investigados, e que, potencialmente, nos evidenciaria um aumento do leque de possibilidades de proteção contra o câncer, por meio das tradicionais culturas alimentares brasileiras.
Os carotenóides têm demonstrado forte associação e, em alguns casos, eficácia na proteção orgânica contra a carcinogênese. Contudo, essas associações estão vinculadas aos alimentos como veículo de ingestão, essencialmente, frutas, legumes e verduras.
A partir da evidência científica, baseada em estudos epidemiológicos e em ensaios experimentais recentes, e da elucidação dos mecanismos de atuação de fitoquímicos relacionados à maior proteção contra o câncer, conclui-se que a alimentação rica em fontes hortifrutíferas de carotenóides representa uma possibilidade de proteção contra o desenvolvimento do câncer, e que a ingestão suplementar não reproduz essa proteção.
Contudo, vale ressaltar que a comprovação científica, apesar de servir como meio de persuasão para adoção de uma alimentação rica em frutas, legumes e verduras, não é suficiente. A disseminação e a construção social de um senso relacionado à proteção contra o câncer por meio do aumento do consumo de frutas, legumes e verduras são imprescindíveis. Para que essa difusão social ocorra, gerando parcerias e sustentabilidade às ações, é necessária uma integração de esforços político-institucionais e organizacionais intersetoriais, que abarquem setores da ciência e tecnologia; da produção e oferta; e do acesso e fomento do consumo.